Encarnar é sofrido desde o choro que marca a expulsão do ventre materno e o renascimento com a certeza da morte.
Via mãe são-paulina, desembarquei na Terra 8 meses e 17 dias antes de Basílio marcar o gol mais importante da história.
Meu pai, que me recebeu com a camisa alvinegra pendurada na porta do quarto da maternidade, nunca havia visto o nosso Corinthians dar uma volta olímpica. Só para ver uma vitória no Paulista sobre o Santos foram 11 anos e 22 jogos de espera.
Seria necessário esperar outros 23 anos para comemorar de novo? Sócrates, sem barba, em 1979, com a faixa de capitão no braço e da democracia na mão, em 1982 e 1983, mostrou que não. E agora? Só em 1988, 100 anos de abolição comemorado com Viola. Quantos avôs morreram antes de Neto colocar o Timão no topo do Brasil em 16 de dezembro de 1990... Eu estava no estádio com o meu pai e demos aquele abraço analógico.
Também em 16 de dezembro, mas de 2012, o mundo foi, pela segunda vez, do Coringão. Do Japão, "abracei" o meu Basílio, então com 4 anos, pela internet.
Antes e depois vieram os títulos paulistas de 1995, 1997, 1999, 2001, 2003, 2009, 2013, 2017, 2018 e 2019; Rio-São Paulo 2002; as Copas do Brasil 1995, 2002 e 2009; e os Brasileiros de 1998, 1999, 2005, 2011, 2015 e 2017. Vieram também inúmeras derrotas. Quem estava vivo sangrou com o rebaixamento em 2007.
Futebol é coletivo. Quando se pensa mais no objetivo de toda uma sociedade e não em grana, recordes ou transações pessoais, a chance de sucesso é maior, como é menos difícil e mais humano sobreviver e superar as inevitáveis adversidades.
Em março de 2020, deflagrada a pandemia, não sabia se chegaria a minha vez de vacinar. Brasileiro, torcedor do SUS e da ciência, joguei contra a perigosa política genocida e negacionista do desgoverno Bolsonaro, contra parcela endinheirada canalha fura-fila, contra a falta e o atraso de imunizantes.
Enquanto torcia pelo meu dia, acompanhei, dia após dia, milhares de mortos que perderam a batalha da vida antes da vitória da vacina. Muitos amigos, parentes, vizinhos, colegas e desconhecidos, mesmo atacados pelo vírus, resistiram à pressão e estão vivos.
Nos pontozzz corrridozzz, recebi a primeira dose. Que chegue a segunda! Para todos! Temos muitos campeonatos a vencer e a perder!
Eduardo Galeano: "Somos porque ganhamos. Se perdemos, deixamos de ser".
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