O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) enviou ofício à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) cobrando a ampliação da suspensão dos reajustes nos contratos de planos de saúde. A instituição defende o cancelamento dos aumentos desde março, quando começou a pandemia, e não a partir de setembro, conforme anunciado pela agência reguladora na semana passada.
Pela decisão da ANS ficam proibidos os reajustes entre os meses de setembro e dezembro, em razão dos efeitos da crise provocada pelo novo coronavírus. As regras preveem que, para os planos coletivos por adesão e para os empresariais com até 29 vidas, as correções aplicadas antes de setembro devem ser suspensas.
Por exemplo: um cliente pagava R$ 100 por mês e, em agosto, passou a pagar R$ 120. Por causa da decisão da ANS, esse consumidor voltará a pagar R$ 100 entre setembro e dezembro. Em janeiro, a operadora poderá voltar a cobrar os R$ 120.
A instituição considera como "imprescindível que a suspensão inclua os meses iniciais da pandemia". O Idec reivindica ainda que também sejam suspensos os reajustes dos planos empresariais com 30 vidas ou mais. A ANS definiu que, nesses casos, as correções que forem definidas até o dia 31 de agosto poderão ser mantidas.
Segundo o Idec, o objetivo do pedido é garantir que os consumidores sejam tratados o princípio da isonomia, ou seja, que todos sejam "beneficiados de maneira igualitária pela decisão reguladora", conforme garantido pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, o instituto pede que a agência de Saúde informe de maneira mais clara como fica a situação dos clientes que já tiveram reajuste por faixa etária.
Insegurança judicial
Especialistas avaliam que, caso a ANS mantenha a decisão de suspender os reajustes somente a partir de setembro, haverá possibilidade de judicialização do caso. Ou seja, os consumidores que já receberam o aumento em seus contratos vencidos nos meses anteriores de 2020 poderão procurar a Justiça para reivindicar que a suspensão seja aplicada retroativamente a partir de março, quando teve início a pandemia da Covid-19.
Ex-secretário nacional de Defesa do Consumidor e professor da Faculdade de Direito de São Bernardo, o advogado Arthur Rollo considera que, se o reajuste for suspenso somente para os contratos com vencimento a partir de setembro, a situação fere o princípio da igualdade, previsto no Código de Defesa do Consumidor.
"Essa suspensão deveria ter sido feita logo no início da pandemia", avalia Rollo. O especialista afirma que, em um primeiro momento, o consumidor que já foi reajustado deve tentar solucionar o problema administrativamente, em contato com a própria operadora do plano de saúde. Caso as tratativas não tenham resultado, a solução é procurar a Justiça pelo Juizado Especial Cível - antes chamado de Juizado de Pequenas Causas.
A advogada Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Idec também defende que a suspensão deve ser válida para todos os contratos vencidos desde o início da pandemia. Na opinião dela, ainda não estão claras as condições para o adiamento dos reajustes.
"Como a justificativa para a suspensão foi a pandemia, entendo que os clientes com contratos vencidos até setembro e que tiveram aumentos impostos podem cobrar a devolução administrativamente ou, caso a operadora se recuse, judicialmente", comenta o advogado Tiago Moraes Gonçalves, especialista em seguros do escritório Ernesto Tzirulnik Advocacia.
O chefe de gabinete do Procon-SP, Guilherme Farid, afirma que o órgão ainda está avaliando a decisão da ANS para avaliar se abre ou não um processo administrativo para cobrar esclarecimentos da agência reguladora e das operadoras dos planos de saúde.
"O que estamos avaliando internamente é se esses motivos que determinaram agora a suspensão são os mesmos que poderiam ter sido aplicados anteriormente [no início da pandemia]. Onde existe uma mesma razão de fato existe a mesma razão de direito", diz Farid.
Sequência de aumentos
De 2017 a 2019, os planos de saúde no Brasil tiveram alta de 36,61%. O percentual é mais do que o triplo da inflação acumulada no mesmo período, que foi de 11,41%, segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
Resposta
Por meio de nota, a ANS diz que "vem monitorando os impactos da pandemia e tem feito todos os esforços para implementar medidas capazes de preservar tanto a assistência ao beneficiário de plano de saúde quanto a sustentabilidade e o equilíbrio do mercado".
A agência afirma que tem estimulado entre as operadoras práticas de negociação e de flexibilização para o pagamento das mensalidades. "É importante lembrar que, no início de abril, a ANS propôs às operadoras um acordo", diz a nota, no qual seriam garantidas vantagens às empresas, desde que houvesse "a renegociação de contratos com beneficiários de planos individuais ou familiares, coletivos por adesão e coletivos empresariais com menos de 30 vidas que estivessem com dificuldades para manter o pagamento do plano. Nove operadoras assinaram o Termo de Compromisso", diz a ANS.
"Em relação à suspensão dos reajustes, a reguladora esclarece que é uma medida excepcional que visa à manutenção dos contratos de planos de saúde durante esse período em que muitos usuários - especialmente os mais vulneráveis - estão enfrentando dificuldades financeiras por conta da pandemia do novo coronavírus."
Já a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que reúne as maiores empresas do setor, diz que, desde o último dia 21 suas associadas "começaram a se preparar para cumprir o que determina a decisão da ANS, garantindo a seus beneficiários a suspensão de reajustes das mensalidades entre setembro e o fim deste ano".
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