Sem manutenção, mirante do Jaguaré vira relojão da UBS

São Paulo

Construído no início da década de 1940 em ponto alto da zona oeste, como marco para o início do desenvolvimento de uma região industrial, o mirante ou farol do Jaguaré perdeu sua função ao longo dos anos. 

Atualmente, a estrutura de 28 metros de altura está fechada, sem manutenção, e é conhecida pela comunidade como relojão da UBS, por estar ao lado da UBS do Jaguaré, na rua Salatiel de Campos, 222.
Apesar da visibilidade do relógio, há pelo menos 20 anos os ponteiros que ainda restaram na torre não saem do lugar pela falta do maquinário.

Segundo moradores mais antigos, um novo equipamento chegou a ser comprado, mas acabou roubado antes da instalação. 

A estrutura também apresenta pontos de infiltração, e parte do teto está deteriorada. Por dentro, as camadas de pó se acumulam na escada caracol apertada e sem corrimão.

Por fora, os jardins secaram e há acúmulo de lixo e entulho. As poucas árvores que sobraram escondem boa parte do mirante. Muitos pacientes da UBS fazem do local uma espécie de anexo da sala de espera. 
Para a historiadora e cineasta Bruna Callegari, a falta de informação e acesso faz com que as pessoas não desenvolvam vínculo com o farol e, consequentemente, não contribuam com sua preservação. 

Todo o entorno da torre foi modificado, e as centenas de casas que compõem a favela do Jaguaré, fruto de invasões que começaram nos anos 1980, encobriram a área que seria um parque no projeto original.
O engenheiro Claudionor Rodrigues de Assis lembra da época em que o mirante se destacava na paisagem. Foi isso que o motivou a comprar o terreno onde construiu sua casa, a poucos metros do farol. Ele afirma que o relógio funcionava bem até ser alvo de vandalismo. “Com o tempo isso se tornou um lugar perigoso porque ficou abandonado. Bem depois que a prefeitura veio aí e cercou.”

Moradores sabem versões diferentes da torre invisível

Questionados sobre a história do farol, moradores do Jaguaré sabem pouco ou nada sobre sua origem.
Para Nice da Silva, 59 anos, que há mais de 30 mora no bairro, a torre foi construída para ser um atrativo turístico. "Antes vinham até ônibus para cá cheios de gente querendo conhecer. Depois de um tempo ele foi abandonado. Agora faz tempo que ninguém aparece".

O porteiro Iussifi Saad, 58, conhece a narrativa sobre o uso da torre para a navegação. "Ela foi importante para a logística de dois grandes moinhos, que existem aqui na região até hoje", diz.

Sentado na base do mirante, Leandro Almeida da Silva, 23, disse desconhecer qualquer informação sobre a estrutura, que para ele servia somente como um ponto de referência. "Todo mundo conhece aqui como o relojão da UBS. Facilita na hora de explicar algum endereço para quem não conhece o bairro."

Natural do Jaguaré, Bianca Santos, 24, achava que o monumento era apenas um grande relógio que, segundo sua mãe, funcionou por bastante tempo, até ser atingido por um forte raio. Ela diz que sua filha de seis anos já a questionou sobre a estrutura, e chegou a pedir para entrar. Ela apenas deu a mesma explicação que recebeu de sua mãe. 

Farol marcou a chegada da indústria na região oeste

Segundo a historiadora Bruna Callegari o mirante foi idealizado por Henrique Dumont Villares, sobrinho de Santos Dumont, que queria organizar um centro industrial planejado no Jaguaré, baseado em sua vivência fora do país. 

O farol serviria para sinalizar os barcos usados para transportar cargas pelo rio Pinheiros. "Hoje não dá para pensar nessa logística, mas o farol está a 800 metros do rio Pinheiros e fazia muito sentido para a época", afirmou a historiadora.

Ela conta que a estrutura chegou a ser usada como chamariz para lotear a região oeste da cidade. "A proposta deu certo e diversas indústrias vieram para o Jaguaré e ficaram até a década de 1980, quando ocorreu uma evasão", afirmou. 

Para moradores mais antigos, a descaracterização da região começou antes, já nos anos 1950, com o início das invasões de terra. O mirante acabou abandonado e até parte da vista foi perdida quando um alto edifício foi erguido em sua direção. 

O farol chegou a ser considerado uma área perigosa no bairro por atrair muitos usuários de drogas.
Em 2002, moradores tentaram reverter esse quadro e mobilizaram-se para restaurar a torre. Naquele mesmo ano ela foi tombada como patrimônio público.

Prefeitura afirma que faz manutenção

A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), disse em nota que a Subprefeitura Lapa faz periodicamente a manutenção do mirante do Jaguaré, na zona oeste, e que a última ação de limpeza e conservação das áreas verdes foi realizada em outubro. 

De acordo com a administração regional, a chave do mirante fica na UBS por uma questão de logística, uma vez que a unidade de saúde está próxima ao mirante. No dia da reportagem, a chave não estava no posto médico. A decisão sobre essa posse da chave do mirante do Jaguaré deve ser reavaliada, diz a subprefeitura na nota.

A subprefeitura também afirma que é possível visitar o mirante, mas é preciso agendamento.

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