Moradores protestam contra pedágios que dividem cidades

Previsão de cobrança em trechos de rodovias que ligam centro a bairros populosos gera polêmica

São Paulo

A construção de praças de pedágios que podem obrigar motoristas a pagar tarifa para se deslocar dentro do próprio município onde vivem tem tirado o sono de muitos paulistas. Moradores de bairros afastados das regiões centrais de Mogi das Cruzes (Grande SP) e de São Carlos (232 km de SP), por exemplo, estão entre aqueles que têm se mobilizado para lutar contra a cobrança nas rodovias.

As concessões de rodovias à iniciativa privada, levadas a cabo pelo governo estadual, sob a gestão de João Doria (PSDB), têm feito cidades questionarem os pontos onde serão instaladas as praças de pedágio. Em São Carlos, cabines já foram instaladas na rodovia Engenheiro Thales de Lorena Peixoto Júnior, entre a região central e o bairro Aporá de São Fernando, gerando indignação de agricultores (veja abaixo).

Já em Mogi das Cruzes, a previsão é de que o pedágio seja instalado na altura do km 45 da rodovia Pedro Eroles (Mogi-Dutra), separando bairros populosos, como o condomínio Aruã, do restante do município.

Sócio de uma imobiliária e morador do Aruã, Paulo Quintanilha de Almeida Júnior, 34 anos, se vê duplamente prejudicado. “Vai ser um transtorno para quem tiver que ir a Mogi num mercado maior ou levar as crianças que estudam”, diz. Também prevê prejuízo na hora de fechar negócios envolvendo lotes no condomínio “Hoje em dia, estamos passando por uma crise e as pessoas colocam cada custo na ponta do lápis.”

O empresário Paulo Quintanilha de Almeida Júnior, 34 anos, um dos moradores contrários à instalação da praça de pedágio na rodovia Pedro Eroles, a Mogi-Dutra, em Mogi das Cruzes (Grande SP)  - Rivaldo Gomes/Folhapress


Segundo Almeida Júnior, Aruã, Ecoparque e Brisas reúnem, juntos, quase 5.000 lotes, muitos deles ocupados por famílias que trocaram a capital nos anos 1990 por uma vida mais tranquila em Mogi, antes que se cogitasse a construção de qualquer pedágio.

O representante comercial Rogerio Leone, 59, foi uma dessas pessoas. Hoje ele tem um pizza bar no Aruã e viaja para a capital com frequência. “Comprei em 1993. Depois, construí em 2000. Escolhi Mogi porque é uma cidade gostosa. Não contava com mais um pedágio no meio do caminho”, afirma.

O construtor Augusto Umberto Carvalho de Andrade, 34, diz que não havia qualquer comentário sobre pedágio quando se mudou para o condomínio Aruã e que isso vai atrapalhar sua vida por completo. “Vou de manhã para o trabalho e volto para almoçar, além de fazer compras nos mercados da cidade”, diz. “Se custar R$ 0,50, já será caro para mim, porque uso muito.”

‘Isso é um castigo’, afirma agricultor

O agricultor João Mascarenhas Figueiredo, 62 anos, tenta encontrar uma saída para não ser obrigado a pagar pedágio entre o bairro Aporá de São Fernando e o centro de São Carlos (232 km de SP), para onde vai de duas a três por dia, dependendo da necessidade. “Não é um pedágio. Isso é um castigo para os moradores”, afirma o agricultor.

Há 34 anos no bairro, Figueiredo diz que a cobrança do pedágio vai afetar diretamente ao menos 60 famílias que moram no local, fora aqueles que visitam a área com frequência. “Aposentados mudaram para cá para ter uma vida melhor. Precisam comprar remédio, ir ao mercado. Vai mexer com o bolso das pessoas”, afirma.

Segundo o agricultor, produtores da região também vão sofrer as consequências da cobrança, estimada em R$ 6,75. “Vários aqui são cadastrados pela prefeitura para entregar comida da merenda escolar pela manhã e vão todos os dias para a cidade.” 

Figueiredo conta que os demais moradores de São Carlos também serão afetados pela cobrança, mesmo não passando diariamente pela rodovia. “Vai ter que aumentar o preço dos produtos, porque a gente tem que pegar o valor do pedágio e colocar na mercadoria. Se não fizermos isso, ficaremos sem a nossa margem de lucro, que já é pequena”, diz Figueiredo.

Produtor de morangos em estufa, o agricultor já participou de tribunas livres na câmara municipal e acionou tanto prefeitura quanto vereadores em busca de auxílio contra a cobrança.

Prefeituras de Mogi e São Carlos criticam instalação

As prefeituras de São Carlos e Mogi das Cruzes (Grande SP) demonstram insatisfação com a instalação de pedágios entre os bairros de seus municípios e tentam mudar a decisão do governo estadual sobre o assunto. 

Área onde deverá ser instalada a nova praça de pedágio na rodovia Mogi-Dutra  - Rivaldo Gomes/Folhapress


“Não só como prefeito, mas como mogiano, sou contra o local onde foi apontado o pedágio. Atinge diretamente os moradores. Aquele trecho específico já foi duplicado”, diz Marcus Melo, prefeito de Mogi das Cruzes. “A cidade está muito unida nesta questão para sensibilizar o governo”, afirmou ele.

A prefeitura de São Carlos diz lamentar a cobrança “sem que haja uma comunicação transparente e objetiva, por parte do governo estadual, das melhorias que serão contempladas na rodovia e também qual será o cronograma”. Também diz que irá recuperar uma estrada municipal para ser usada como alternativa. 

Monte-Mor foi ‘repartida’ há dez anos

A cidade de Monte-Mor (122 km de SP) teve bairros divididos por um pedágio há dez anos e, desde então, moradores convivem com a cobrança de R$ 7,20 (para os carros) ao se deslocar dentro do município. Mais do que polêmica, a presença das cabines gera revolta na população.

A analista de RH Roseane Souza, 33 anos, conta que a empresa onde trabalha tem 80% de seus funcionários vindos do centro de Monte-Mor. Mas entre os 10 km que separam a cidade do local de trabalho há a praça de pedágio. “Encarece o fretado. E tem funcionário que precisa vir de carro e fica com um custo de uns R$ 300 por mês”, afirma.

A prefeitura critica a localização da praça de pedágio e diz que os R$ 35 mil arrecadados mensalmente com impostos decorrentes da cobrança da tarifa não compensam os transtornos. “Pleiteamos a mudança de local, para cerca de 2 km à frente, sentido Monte Mor-Capivari, para que não prejudique moradores de chácaras e empresas situadas nesta região. Inclusive, a prefeitura solicitou a construção de uma via marginal de acesso local para que não prejudicasse o direito de ir e vir do cidadão montemorense”, disse, em nota. “Nenhum recurso compensa o transtorno que trás para a população e também para o município.” 

Governo diz que discute a localização

O governo estadual, por meio da Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), diz que a implantação de praças de pedágio é discutida em audiências e consultas públicas durante o projeto de concessão, seguindo a Lei Federal 8.987/95. Também diz que a concessão da Mogi-Dutra está em fase de estudos e que não há definição sobre a praça do km 45.

Segundo o governo, o início da operação da praça de pedágio da rodovia Thales de Lorena Peixoto Júnior, em São Carlos, será definido após a Artesp finalizar inspeções. Diz também que o dinheiro da tarifa irá viabilizar a ampliação da pista, entre outras obras.

Em Monte Mor, a Artesp diz que estuda alternativas para os moradores de bairros do município que pagam tarifa para acessar a região central e que a tarifa permitiu a duplicação de parte da rodovia.
O governo defende o programa de concessões, dizendo que houve, entre outras coisas, redução nos mortos em acidentes. 

Empresas justificam cobrança

A ABCR (Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias), que representa 47 empresas do setor, afirma que as rodovias “não são avenidas ou ruas do município e não se destinam a servir de ligação entre os bairros” e que não há motivo para isenção entre moradores. “Mesmo porque eles passam a usufruir do direito ao socorro mecânico e ao atendimento pré-hospitalar, como os demais”, diz, em nota.

Segundo a ABCR, o setor gera cerca de 50 mil empregos e as concessionárias repassaram R$ 1,099 bilhão aos municípios em 2018 em ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), e R$ 2,291 bilhões ao poder público federal. A ABCR diz que estudo sobre concessões do estado de São Paulo, realizado pela consultoria AMBranco, apontou que para cada R$ 1 pago de pedágio, há um retorno de R$ 2,40 para usuário e sociedade. Também fala que, em 2018, os investimentos em melhorias e operação foram superiores a R$ 11 bilhões (metade no estado de São Paulo).

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