A pandemia de H1N1 provocou há 11 anos perdas irreparáveis ao redor de todo o mundo. No Brasil, foram 2.062 mortes apenas em 2009, quando a doença chegou ao país. Com o coronavírus se disseminando rapidamente, muitas famílias lembram com tristeza daqueles dias e outras procuram alertar quem ainda não entendeu a gravidade da situação.
O técnico em logística Edson Coelho do Nascimento, 41 anos, sente o aperto da saudade, mas conseguiu reconstruir a vida após perder para o H1N1 a filha Carolina, que tinha apenas 1 ano e 6 meses. “Não tinha tanta informação quanto o que se tem hoje. Se chegar dizendo ao hospital que tem alguns sintomas, os médicos já vão saber o que fazer com você. Naquela época, não. Diziam que era uma pneumonia. Tomei até uma bronca da médica”, afirma.
A filha de Nascimento começou a passar mal numa quinta-feira e morreu em um domingo, após receber o diagnóstico tardio da gripe suína. Na semana seguinte, uma vizinha da família, na rua Ouro, em Diadema (ABC), também morreu em decorrência do H1N1. “Ninguém dava credibilidade ao que estava acontecendo. A própria médica que primeiro atendeu a minha filha dizia que era besteira. Fiquei revoltado na época”, conta.
Além da tristeza que levou o técnico em logística a uma depressão, a passagem da pandemia em 2009 provocou mudanças no comportamento dele e da família, que ganhou dois filhos de 9 e 4 anos. “Para mim, para minha esposa e meus filhos, temos agora o hábito de usar álcool em gel, de chegar em casa e lavar as mãos. Coisa que, confesso, não tinha. Não era nem falta de higiene, mas a cultura mesmo.
A gente viu a importância depois desse episódio”, diz. “Meus filhos, já em março, estão tomando a vacina [contra a gripe], independentemente de surto ou não. Já separo o dinheirinho para a gente poder estar protegido, antes mesmo da rede pública.”
Os cuidados foram ampliados também com o restante dos parentes. “Na casa da minha mãe, estou sempre brigando com a minha irmã ou com ela mesma para lavar as mãos e usar álcool em gel. Faz a diferença. A gente fica menos exposto, menos doente.”
Apesar da mudança individual, Nascimento diz que muita gente não se dá conta dos riscos. “É claro que, às vezes, a gente se sente um peixe fora d’água, porque tem pessoas que acabam não entendendo isso. Acham que criam anticorpos, mas esses vírus são novos e não há tempo para criar anticorpos.”
Ao menos seis pessoas que perderam familiares durante a pandemia de H1N1 foram procuradas pela reportagem, mas não quiseram falar, o que é compreensível. “Quando eu vi as notícias do coronavírus, revivi tudo o que aconteceu”, conta Nascimento.
Serviço público de saúde piorou, diz líder de médicos
O serviço público de saúde do país piorou nos últimos 11 anos e se perdeu parte do conhecimento adquirido com a crise do H1N1 em 2009, segundo o presidente do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), Eder Gatti Fernandes.
“Por mais que exista uma memória entre profissionais de saúde da pandemia de 2009, de lá para cá houve um processo de sucateamento da saúde. Hospitais têm menos insumo, profissionais estão precarizados. Hoje, são terceirizados, não se cria vínculo de emprego”, diz o técnico em logística que perdeu filha vítima da H1N1 Edson do Nascimento.
Segundo o representante dos médicos paulistas, também houve piora na infraestrutura de atendimento desde a última pandemia.
“Hoje, estamos preocupados em abrir leito de UTI, sendo que já deveríamos ter. A base do sistema está completamente falha e desestruturada. Precisamos de médicos”, diz.
Gatti também afirma que o SUS deve ser defendido, porque é ele quem vai socorrer a população.
“Quem vai ter que colocar a mão no cofre é o Poder Público. Espero que essa crise faça com que nossos governantes invistam na saúde pública e que a gente saia com o menor número de perdas.”
Para infecto, sociedade não está educada
O infectologista Sergio Cimerman, da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirma que a sociedade ainda não está preparada para lidar com as pandemias. “Parece que a gente não aprendeu grande coisa, porque se passaram 11 anos e não houve preparação para essas possibilidades. Graças a Deus, não chegou para nós o ebola, como chegou na grande maioria dos países.”
Segundo Cimerman, a grande vantagem na época foi o desenvolvimento rápido de uma vacina, que atenuou o número de casos e de mortes. “Com a Covid-19, a vacina vai tardar muito a sair e nós vamos ter um número de óbitos muito maior, em progressão geométrica, se comparado à H1N1.”
O infectologista lembra que as pandemias podem mudar a sociedade. “As pessoas têm que se ajudar, uns entenderem os outros, seguirem as orientações dos médicos e das autoridades públicas e sanitárias, para que a gente possa fazer um bloqueio nessa curva do número de casos”, diz.
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