Domingo, 10h. O som do alto falante anuncia o início da aula de treinamento funcional --um tipo de exercício em que o peso do próprio corpo é utilizado para o fortalecimento muscular. O ambiente onde se passa essa cena não é uma das tantas academias de ginástica espalhadas pela cidade, e sim a laje de uma casa localizada na Brasilândia (zona norte da capital paulista).
Quem comanda a aula é Ivan Pereira do Nascimento, 39 anos, que cursa o último ano da faculdade de educação física. O Aulão na Laje, como ele chama as sessões de treino, dura cerca de 40 minutos e também conta com aquecimento e alongamentos.
Os instrumentos usados para os exercícios são objetos facilmente encontrados em casa, como cadeira, cabo de vassoura e garrafas pet cheias de água. Todas as orientações são dadas por um microfone ligado a um amplificador --equipamentos emprestados por um vizinho.
Segundo Ivan, cerca de 40 pessoas nas casas ao redor costumam acompanhar as aulas. "O público é diverso: tem crianças, jovens, adultos e idosos. Sempre aviso ao pessoal para que não forcem além dos seus limites, para que não se machuquem. E, quando não conseguem fazer na mesma intensidade que eu, que façam mais devagar", diz.
Na sexta-feira (1º), feriado do Dia do Trabalhador, Ivan fez a primeira transmissão ao vivo do Aulão na Laje por meio de suas redes sociais. "A minha ideia é continuar com esse projeto após a quarentena, inclusive levando esses treinamentos para outras comunidades", afirma o instrutor.
Com a repercussão, inclusive com reportagens em pelo menos três canais de TV, Ivan espera influenciar outros profissionais. "Não apenas o pessoal da educação física, mas também fisioterapeutas, professores de dança, entre outros. Que subam na laje e façam o povo se mexer", acrescenta.
Ex-atleta profissional, Ivan não queria que seus filhos ficassem parados durante a quarentena. Três de seus quatro filhos estão matriculadas em escolinhas de futebol. "Então, para manter as atividades físicas durante a paralisação, eu comecei a dar treinamentos para eles em casa mesmo", lembra.
Ivan filmou um desses treinos e postou em redes sociais. "Um amigo meu, que é líder comunitário, viu o vídeo e me deu a ideia de abrir essas aulas para a comunidade. Foi então que tive a ideia de fazer na laje."No início, ele havia definido que as sessões ocorreriam somente aos domingos. Porém, com o destaque na vizinhança, o instrutor ampliou as aulas também para sábados e feriados, sempre às 10h.
Distrito tem maior número de mortes
Localizada na zona norte, a Brasilândia é o distrito da capital paulista com maior número de mortes causadas pela Covid-19.Segundo o último balanço divulgado pela Prefeitura de São Paulo, sob gestão Bruno Covas (PSDB), o bairro tinha 81 óbitos ligados à doença até o último dia 27, sendo 31 confirmados e 50 suspeitos [ainda aguardam exame].
A Brasilândia é seguida no ranking de mortes pelo novo coronavírus por outros bairros da periferia da capital, como Sapopemba, São Mateus e Cidade Tiradentes, todos na zona leste, além da Cachoeirinha, também na zona norte.
Durante suas sessões de treinos funcionais na laje de casa, o instrutor Ivan Pereira do Nascimento garante que passa aos vizinhos orientações sobre como evitar a contaminação pelo novo coronavírus, colaborando para evitar que o número de mortos pela Covid-19 cresça ainda mais. "Eu sempre falo para eles que evitem ao máximo sair de casa e que sempre façam a higienização correta das mãos", afirma Nascimento.
Ivan conhece bem os desafios gerados pela Covid-19. Sua esposa, Tamara Nascimento, 34, é agente de saúde e está na linha de frente do combate à doença.
Instrutor jogou como lateral-esquerdo
Antes de iniciar o projeto Aulão na Laje, Ivan chegou a ser jogador profissional de futebol. Começou a carreira como lateral-esquerdo, nos anos 1990, no Juventus, da Mooca (zona leste). Percorreu times do interior e deixou os gramados em 2008.
Em 2017, ganhou bolsa para estudar educação física em uma universidade privada na zona norte. Prestes a se formar, Ivan é estagiário na supervisão de esportes da subprefeitura Freguesia/Brasilândia, e também trabalha em uma empresa de assessoria esportiva. Após concluir a graduação, seu objetivo é obter certificação para atuar como treinador de futebol.
Além dos seus planos pessoais, Ivan também incentiva os filhos a seguirem o caminho dos esportes. Ana Beatriz, 10 anos, está matriculada em escolinha do São Paulo. Os gêmeos Davi e Miguel, de 7, também já dão seus pontapés iniciais, enquanto o mais velho, Luís Felipe, 15, participa de competições de cubo mágico
Rede social vira alternativa com academias fechadas
Antes mesmo da pandemia, uma enxurrada de profissionais de educação física já usavam as redes sociais para passar treinos. Agora, o número cresce a cada dia.Formado em educação física há 30 anos, Mário Xuxa, de 52, é um desses profissionais da área que adotaram a internet para ensinar às pessoas formas diferentes de se exercitar.
Criador do canal Best Trainers Club, ele publica vídeos com dicas de atividades e ainda responde às dúvidas dos seguidores.
O que ele deixa claro é que quem busca cursos na internet precisa tomar cuidado para não extrapolar. "Alguns instrutores fazem movimentos muito complicados, que chamam a atenção, mas a pessoa não vai conseguir replicar e até pode se machucar", alerta.Xuxa destaca a importância de se exercitar na quarentena. "É melhor fazer uma atividade física do que ficar sentado no sofá", diz o professor
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