Os pacientes graves da Covid-19 que recebem alta hospitalar podem enfrentar ainda um longo período para se recuperarem das consequências da doença. Para eles, voltar para casa não significa que estão curados, pois ainda estão debilitados pela infecções provocadas pelo novo coronavírus.
Apesar de o Sars-Cov-2 atacar principalmente o pulmão e todo o sistema respiratório dos doentes, estudos mostram que outros órgãos também podem sofrer com a ação do vírus, como os rins e o cérebro.
O Agora entrevistou pacientes que, apesar de não estarem mais com o vírus ativo, ainda têm complicações meses depois de sair do hospital. Se esses problemas se transformarão em sequelas permanentes ainda é cedo para dizer, segundo médicos e pesquisadores.
No hospital Emílio Ribas, na zona oeste de São Paulo, o neurologista Augusto Penalva estuda as manifestações neurológicas em pacientes graves da Covid-19, como falta do paladar ou do olfato, dor de cabeça e até dificuldade de raciocínio ou de memória.
Em casos mais graves, a ação do vírus pode atacar o sistema vascular, provocando trombose em várias partes do corpo, como pulmão, coração ou no cérebro.
“Ainda não sabemos se essas complicações serão permanentes, uma sequela. Só podemos dizer que o problema é irreversível depois de esgotados todos os recursos terapêuticos”, afirmou Penalva, ao lembrar que a pandemia chegou ao Brasil há seis meses.
Além dos sintomas persistentes relacionados à Covid-19, pacientes com longos períodos de internação podem ter outras complicações do tratamento, como lesões em membros usados para receber medicação.
Empresário sofre com depressão e ansiedade
Após quase cinco meses desde os primeiros sintomas da Covid-19, o empresário Ronaldo Chiesi, 59 anos, ainda está com um terço do pulmão comprometido, o que faz com que ele tenha dificuldade para respirar, e ainda tem pouca força física para caminhar. Ele ficou 57 dias internado, sendo 41 deles na UTI e a maior parte intubado.
O empresário faz fisioterapia todos os dias desde que saiu do hospital para recuperar a capacidade respiratória e também os movimentos no braço e na coxa do lado direito. As lesões foram provocadas pela posição que ficou na UTI, chamada de prona, quando o paciente fica de bruços.
“Estou me recuperando, fazendo fisioterapia respiratória e para o braço, que ficou 75% sem movimento. É um processo que vai levar um tempo. Fora a falta de sensibilidade na coxa, mas esse é um problema pequeno perto do trauma da UTI”, disse.
Ronaldo disse que ficou semiconsciente, o que classificou como tortura, pois não podia reagir. “Foi traumatizante e, por isso, desenvolvi depressão e ansiedade após sair do hospital”, afirmou.
Jornalista tem voz afetada após doença
Já faz mais de dois meses que o jornalista Airton Gontow, 58 anos, deixou o hospital, onde foi internado por causa da Covid-19, mas alguns sintomas ainda persistem. O que mais incomoda, diz ele, é um catarro que sente na região da garganta, provocando tosse.
“Isso atrapalha demais o final do meu sono. Sempre acordo por volta das 5h ou 6h. Também estou com a voz mais rouca”, afirma.
O jornalista ressalta ainda que a Covid-19 também afetou o seu psicológico e diz que sente uma inquietação ao ler notícias sobre de sequelas da doença.
Após voltar para casa, a falta de ar e a fraqueza muscular que sentia no começo da doença foram amenizadas pelos exercícios diários de fisioterapia no hospital. Gontow teve trombose e embolia pulmonar, o que o levou direto para a UTI, mas não precisou ser intubado. “Se não tivesse ido naquela noite teria morrido.”
Medo de adoecer de novo persiste
A vida ativa que a aposentada Rosana Aparecida Ferreira Sokabe, 62 anos, tinha antes da Covid-19, com aulas de natação e hidroginástica, agora está em pausa.
Ela sente dores nas pernas, mesmo quando está sentada, e tem dificuldade para respirar, pois o pulmão ainda está 10% comprometido devido à infecção provocada pela doença. Por isso, faz acompanhamento com pneumologista.
Ela disse que, mesmo sabendo que não tem mais o vírus, se sente psicologicamente abalada, com medo de ficar doente de novo e de frequentar lugares cheios.
Rosana teve o diagnóstico de Covid-19 confirmado em 17 de março, ainda no início da pandemia. Foram dois períodos de internação, que totalizaram 17 dias. Voltou para casa com 75% do pulmão comprometido e sentia dores ao respirar, além da fraqueza muscular. “Só eu sei o que eu passei. Quase morri.”
Vírus afetou mobilidade e concentração de médica
Mesmo após quase três meses do período crítico da Covid-19, a médica nefrologista Irina Antunes, 50 anos, disse que alguns problemas ainda permanecem. Ela não tem firmeza nas pernas, principalmente para descer escadas.
Irina também sente dores no pé direito, que foi por onde entrou parte da medicação durante a internação, o que acabou lhe causando uma tendinite.
Quando ela voltou para casa em 26 de junho, após 18 dias de internação, ainda não tinha força física e precisava de ajuda para necessidades básicas, como sentar e levantar, tomar banho e até segurar um copo d’água ou comer sozinha. A médica ficou 12 dias internada na UTI intubada.
“Tinha dificuldade para andar e não conseguia levantar de tanta fraqueza muscular. Também tive dificuldade de raciocínio e concentração e muito tremor nas mãos. Não conseguia nem segurar um copo d’água. Tudo por causa da doença, pois ela também atinge o sistema nervoso central”, afirmou a médica.
Mesmo em casa, Irina precisou de auxílio de uma cuidadora, também fez sessões de fisioterapia e terapia ocupacional para reaprender a fazer atividades básicas do cotidiano.
Irina só voltou ao ambulatório de nefrologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, onde trabalha, 20 dias depois de sair do hospital e recuperada. Ainda assim, com a carga horária menor do que a que costumava ter antes de pegar a Covid-19.
Cantor lírico faz fisioterapia para recompor o gás do pulmão
Como cantor lírico, Andrey Mira, 29 anos, precisa de muito ar no pulmão. Mas a Covid-19 comprometeu 50% do órgão quando ele ainda estava no hospital.
Mesmo após se recuperar e receber alta, ao menos 25% do pulmão ainda está comprometido. Por isso, falta fôlego para longas caminhadas. Até na fisioterapia, que ele faz três vezes por semana desde que saiu do hospital, tem dificuldade com alguns exercícios.
“Fiquei muito debilitado, sem força nos braços e pernas. Nos primeiros dias também tinha falta de ar ao cantar. E eu preciso de uma boa respiração e bom condicionamento, pois o cantor é o atleta da voz”, disse.
Com o diabetes descontrolado e obeso, Mira faz parte do grupo de risco da Covid-19. Por isso, agora ele teve que mudar hábitos alimentares e trocar a medicação para controlar o diabetes. “Também estou fazendo acompanhamento com endocrinologista e pneumologista. Tomo insulina duas vezes ao dia”, afirmou o cantor lírico, que já emagreceu seis quilos desde que saiu do hospital.
Segundo a coordenadora do Serviço de Fisioterapia da Santa Casa de São Paulo, Vera Lúcia dos Santos, é comum os pacientes saírem do hospital com a capacidade respiratória diminuída. Por isso, a necessidade de fazer a fisioterapia.
Atualmente, 48 pacientes que tiveram alta do hospital fazem reabilitação de duas a três vezes por semana por até três meses no ambulatório da Santa Casa. “Após 15 ou 20 dias [de tratamento], esses pacientes já apresentam uma melhora significativa. Depois, eles precisam fazer avaliação após três, seis e 12 meses.”
Após trauma, aposentada dorme com oxigênio
A professora aposentada Maria da Conceição Queiroz, 75 anos, ainda caminha com um pouco de dificuldade devido à fraqueza muscular e precisa de ajuda para carregar o cilindro de oxigênio que está conectado à máscara de ar que ela usa 24 horas por dia desde que saiu do hospital, no dia 31 de agosto.
Ela ficou 24 dias internada, sendo oito na UTI para se recuperar da insuficiência respiratória e outras complicações provocadas pela doença. “Não tiro [a máscara de oxigênio] para nada. Até durmo com ela”, disse.
Segundo os médicos que acompanham a professora no Hospital do Servidor Público Estadual, a máscara de oxigênio é necessária porque muitos pacientes com problemas no pulmão não percebem a falta de oxigênio. A previsão de recuperação total do pulmão é de um a três meses.
A aposentada disse que hoje já se sente melhor, sem a fraqueza nas pernas que a levou para o hospital no início de agosto. Mas precisa de ajuda para caminhar. “Hoje estou melhor, graças a Deus. Mas se não fosse pelo hospital, teria morrido”.
Técnico de áudio diz que até perdeu cabelo
O técnico de áudio João Baptista Silva, 57 anos, já voltou a trabalhar com eventos, mas não está como antes do coronavírus.
“Às vezes me pergunto se estava tão enferrujado, pois não estou como antes. Como tem de usar máscara para sair de casa e trabalhar, fico mais cansado. Ainda não estou 100%, mas tenho
certeza que vou me recuperar”, afirmou.
Silva ficou 11 dias internado após ser diagnosticado com a Covid-19, em 20 de março. Ainda no início da pandemia, ele não imaginava que a falta de ar, a dor nas costas e nas pernas e a dificuldade
para andar eram sintomas do novo coronavírus.
Após quase seis meses do início dos primeiros sintomas, Silva ainda tem dificuldade para respirar,
sente-se mais cansado do que o habitual e perdeu muitos cabelos. “Meu cabelo caiu muito. Muito mesmo. Não sei se isso tem a ver com o novo coronavírus. Mas agora está voltando a crescer”, afirmou.
Outra complicação que persiste é falta de concentração. Trocar um número de telefone ou confundir pessoas se tornou mais comum do que antes de pegar o novo coronavírus. Porém, ele disse que está melhorando. “Eu não tinha força física para nada. Sentia o coração acelerado. Mal conseguia respirar e também não tinha apetite. Agora isso passou.”
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