Pela quarta vez, José de Filippi Júnior (PT), 63 anos, assumirá o comando de Diadema (ABC), cidade emblemática por ser a primeira prefeitura conquistada pelo seu partido, ainda em 1982. Na última semana, o também ex-deputado e ex-secretário municipal da Saúde na capital paulista contou à reportagem, por telefone, quais desafios espera para os próximos quatro anos, como viu a ascensão de novas lideranças de esquerda, a derrota do seu partido nas capitais e aquilo que, no seu entender, foi o maior erro do PT nas últimas duas décadas.
"A gente produziu muito mais consumidores do que cidadãos. Aumentando a renda das pessoas, o acesso à educação, à saúde, a gente considerou que o povo, naturalmente, teria a consciência de que esse era um caminho por decisão política. E não foi isso que aconteceu”, disse.
Veja os principais trechos da entrevista.
Agora - De que forma pretende lidar com as dificuldades provocadas pela pandemia?
Filippi - Vamos buscar preparar a nossa equipe da saúde para uma ação mais efetiva, eficaz, para atender a população. Muitos moradores de Diadema estão tendo que procurar o serviço de saúde fora da cidade. Minha primeira atitude será preparar a nova equipe da saúde para que ela possa dar essa segurança, assistência, dentro do protocolo, dentro daquilo que existir em termos de orientação das autoridades sanitárias, do governo estadual. Estamos pensando em montar uma espécie de comitê municipal com infectologistas, técnicos que possam orientar e validar as atitudes que estamos tomando, porque é uma doença muito traiçoeira. Infelizmente, Diadema passou já das 500 mortes, é um número muito acima da média de letalidade.
A senhor prevê que tenhamos a pandemia afetando a gestão dos municípios por mais tempo?
Pelo menos, uns três meses. Por tudo que estamos ouvindo e recebendo informações, essa nova onda pode ter um pico, uma situação mais grave no fim de janeiro. Portanto, um mês depois da posse. Vamos torcer para que tenha a vacina. Nesse comitê que pretendemos fazer, gostaria de convidar o Gonzalo Vecina Neto, outros profissionais. Temos infectologistas da Faculdade do ABC, Unifesp, para que a gente possa ter segurança enquanto gestor, enquanto prefeito, de a nossa equipe de saúde dar o respaldo. Esperamos que, em janeiro, continue também o auxílio emergencial, porque são muitas famílias que recebem em Diadema. Se, de fato, o governo federal interromper essa transferência de recurso, como está ameaçando, vamos ter uma situação muito mais agravada de alimentação, de condições de sobrevivência mesmo.
Do ponto de vista da saúde, Diadema tem uma situação bastante delicada, com imóveis muito próximos uns dos outros, muitas casas sem ventilação adequada. Essa questão social dificulta o combate ao coronavírus?
Isso é fato. Diadema tem a maior densidade demográfica do estado de São Paulo, a segunda maior do Brasil. São mais de 13 mil habitantes por quilômetro quadrado. Isso, de fato, comprova essa questão que você levanta. Identificando as pessoas com sintomas da doença, precisamos garantir um afastamento. Em muitas famílias vulneráveis, moram cinco, seis pessoas num único lugar.
A disputa em Diadema foi muito acirrada no segundo turno e a cidade é um símbolo da história do PT, por ser a primeira administrada pelo partido. Para o senhor, o que significa retomar a prefeitura?
Todas as eleições em Diadema foram muito disputadas e a disputa revela que, se tem uma oposição forte, fomos mais fortes que a oposição para conseguir vencer. Ainda existe muito presente na sociedade esse outro vírus, o vírus do anti-PT. Muito além, muito mais forte do que os problemas, erros e condições que o PT teve. Nossos erros são muito menores do que a imagem que foi construída em cima disso, não tenha dúvida. A rejeição está diminuindo, essa imagem de um anti-PT, diminuiu muito de quatro anos para cá, tanto que conseguimos fazer cinco vereadores e, da outra vez, três. Na outra eleição, não fomos nem para o segundo turno e nesta ganhamos também o primeiro turno. Está ocorrendo a recuperação da força política, da imagem. A outra condição muito forte é que estamos em sintonia com o que a população quer, que é ver na política um exercício, um espaço de melhoria de suas condições de vida. Aqui, o nosso triunfo tem a ver com a volta de uma esperança e de uma prática de política para melhorar a vida das pessoas.
Esse tipo de campanha, pautada no “feijão com o arroz”, das necessidades básicas das pessoas, poderia servir de exemplo para o PT em outros lugares?
A gente gostaria que essa recuperação do terreno político do PT se desse com mais força agora em 2020, de cidades que conheceram e conhecem as políticas que o PT exerceu. Para nós, não deixa de ser uma frustração. Guarulhos teve uma política muito boa do Elói Pietá, políticas do PT que melhoraram a vida das pessoas. O Luiz Marinho foi um bom prefeito aqui em São Bernardo do Campo. Temos vários exemplos. Candidatos que já tinham mostrado sua capacidade de gestão e que não foram conduzidos novamente ao cargo. Meu adversário teve 30 mil votos no primeiro turno e chegou a 100 mil no segundo. Não foi pela força dele, mas pela força do discurso anti-PT. Infelizmente, o processo de reconstrução e de reinserção do PT nesses municípios vai ser ao longo de um tempo maior. Mas acredito plenamente nisso, porque as políticas que nós praticamos, que fazem parte de um legado, vão se impor muito mais do que um ataque ao partido. Embora ainda exista, vai perder terreno na comparação concreta das coisas. “Quero um prefeito que resolva meu problemas na área da saúde, educação, transporte”. Resolve os problema que a população sente no dia a dia. O meu desafio será esse, de fazer nesses quatro anos o melhor governo que já fiz.
Ao analisar a ascensão do PT ao governo federal até o que veio na sequência, com o partido ficando agora, por exemplo, sem nenhuma capital, qual a mudança de rota teria feito?
Falhamos em não explicitar e não fazer com que a população reconhecesse as conquistas dos 12 anos [Lula e Dilma, no governo federal]. Foram conquistas que vieram por decisão política. A gente produziu muito mais consumidores do que cidadãos. Aumentando a renda das pessoas, o acesso à educação, à saúde, a gente considerou que o povo, naturalmente, teria a consciência de que esse era um caminho por decisão política. E não foi isso que aconteceu. Pelo que estamos vendo, vai ser um caminho mais longo para que o povo possa reconhecer que o salário mínimo cresceu nos 12 anos de PT por decisão política. E, por decisão política, agora ele está parado. Não vai ter aumento real. Não tem mais direitos trabalhistas, foram retirados muitos deles e o desemprego aumentou. Foram congelados recursos para a saúde e para a educação, e isso é um absurdo. Daqui a 20, 30 anos, quando se escrever a história lá na frente, as gerações futuras vão dizer “não é possível, como esses caras acharam que era uma lei boa não ter investimento por 20 anos?” Condenar duas gerações futuras por uma decisão tão estúpida como essa. Ao invés de ter uma justiça fiscal, cobrando impostos de quem tem mais patrimônio, heranças, para financiar políticas a públicas.
Qual autocrítica o senhor faz?
A minha autocrítica é de não identificarmos e conscientizarmos a população de que aquelas conquistas eram políticas. A maneira de politizar essa agressão ao PT... É uma coisa que sempre falo, “vocês não gostam do PT, não gostam do Lula, querem destruir a gente, façam melhor. Ponham o salário mínimo para andar mais rápido, mais recursos para a saúde e a educação”. Mas não... Eles atacam a reputação do PT, com casos que foram localizados. Para cada Antonio Palocci [ex-chefe da Casa Civil e ex-ministro do governo Lula], tenho 10 Elói Pietá [ex-prefeito de Guarulhos], tenho 10 Fernando Haddad [ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação]. Problema de gente que teve comportamento que manchou a nossa imagem tem que ser tratado como isso. Para nós, é preciso ficarmos mais alerta, prestarmos mais atenção no combate à corrupção. O PT sempre teve instrumentos para isso.
O senhor diria que faltou despertar consciência de classe, então?
Tem a ideologia neoliberal, de o sujeito achar que conquistou as coisas pelo próprio mérito. Poxa, está estudando em uma escola federal, que foi trazida pelo governo do Lula. A escola não tinha antes, foi uma decisão política do governo do PT. Deveríamos ter tido mais cuidado com a comunicação. O governo do Lula foi o governo que mais fechou rádios comunitárias, [o que é] uma contradição. Temos que democratizar os meios de comunicação, não concentrar nas mãos de seis, oito famílias que fizeram esse conluio de falar “pau no PT, pau no Lula”, e conquistaram, de forma manipulada, muitos corações e mentes.
Qual o papel do Guilherme Boulos nessa engenharia política?
Vejo com esperança, como indicação positiva, o surgimento de novas lideranças fora do PT, mas no nosso campo da esquerda. É muito bem vinda essa ascensão, esse crescimento do Guilherme Boulos. O governador do Maranhão, Flavio Dino (PC do B), com os indicadores que tem mostrado, um trabalho fantástico de promoção de justiça social. A Manuela d'Ávila (PC do B), apesar de não ter vencido, teve uma votação expressiva. É uma coisa muito necessária para a sociedade brasileira, até por conta dessa polarização PT e anti-PT, que nasçam outras lideranças políticas que têm identidade conosco na construção de um país mais justo, com mais igualdade, com mais acesso da população aos bens materiais e culturais. Que nasçam e floresçam. Vejo com muito otimismo.
Como o senhor vê o resultado na capital paulista, principalmente?
O saldo para o PSOL e para o Guilherme Boulos é altamente positivo. Ele não teve vitória eleitoral, mas teve vitória política. Incontestável. O PSOL, antes, era o partido dos 2% nas eleições majoritárias. Dessa vez, ele chegou a 40% no maior colégio eleitoral do país, conquistou a prefeitura em Belém, disputou em outras cidades, fez uma bancada de vereadores importante, quando quase não tinha. Significou um crescimento concreto do ponto eleitoral e político. Vamos ver o que vai acontecer com o Bruno Covas (PSDB). Ele se elegeu agora em uma situação muito parecida com o [Gilberto] Kassab (PSD), que era vice do [José] Serra (PSDB). Fez, depois, um segundo mandato que não esteve à altura do primeiro, tanto que foi reprovado.
Como juntar forças para promover o desenvolvimento regional tendo os prefeitos das duas maiores cidades do ABC, Santo André (Paulo Serra) e São Bernardo do Campo (Orlando Morando), administradas por outro partido, o PSDB?
O desenvolvimento regional vai unir os sete prefeitos, não tenho dúvida disso. Vamos ter o mesmo objetivo. Teremos outra postura, por exemplo, como teve com a [saída da] Ford. A região crescendo, todas as cidades se beneficiam. Agora, vivemos a ameaça de a Volkswagen ir embora para uma cidade do Paraná. Imagine o desastre que seria. Vamos ter que ter atitudes efetivas e simbólicas, como no caso das grandes montadoras, e reforçar cadeias produtivas como a do plástico, cosmético, metal mecânico, eletroeletrônico, tecnologia, embalagem, alimentação... Naturalmente, está acontecendo uma desconcentração industrial. A tendência é que as indústrias migrem para o interior de São Paulo, que está ficando cada vez mais pujante, ou para outros estados. Mas aqui nós temos mão de obra especializada, proximidade do porto. Temos que tirar as vantagens vocacionais e históricas do ABC para não deixar o mercado resolver. Se o mercado resolve, vai resolver contra nós. Temos que estar juntos para que a região cresça e todo mundo possa se beneficiar. Vai ter diferença daqui a dois anos, quando eu vou apoiar alguém para presidente, do PT ou da esquerda, e o Orlando Morando, provavelmente, vai apoiar o João Doria (PSDB). Sou muito entusiasta do trabalho que o consórcio [Intermunicipal Grande ABC] pode e vai fazer. Vai prevalecer uma posição muito mais madura de união de forças, muito mais do que disputas que vão acontecer daqui a dois anos. Combate às enchentes, questão da saúde, transporte metropolitano, nós temos que estar juntos. Vamos botar pressão em cima do Orlando Morando ou do Paulo Serra, que são ligados ao governador. O governador, se tem pretensões a ser presidente, que ele resolva. Vamos extrair disso benefícios para a população, como melhorar o transporte, fazer com que o corredor da Metra [ABD] se transforme em BRT, outras ligações de metrô para o ABC, possibilidade de bilhete único integrado com a EMTU, Metrô e CPTM. São coisas que nos unem.
Qual a marca que pretende deixar na prefeitura?
Quero, se Deus quiser, depois desses quatro anos, que Diadema tenha um serviço de saúde que possa ser referência para o SUS e até nacional. Fazer uma atenção básica resolutiva, com tecnologia ajudando a população, o Quarteirão da Saúde voltando a funcionar, um atendimento hospitalar adequado para o adulto e para a criança. Nas três vezes que fui prefeito, a prioridade foi a saúde e será novamente. Temos também segurança e geração de emprego. Vamos buscar ter muita criatividade. Tendo ou não a manutenção do auxílio emergencial, a questão da geração de emprego é uma prioridade, buscando indústria, pequeno empreendedor.
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