Inspiradas por filmes e propagandas, escolas estaduais têm realizado campanhas de busca ativa nas redes sociais, praças e casas dos alunos que não participaram das aulas remotas e podem ser reprovados por falta de notas caso não entreguem nenhuma atividade online neste ano.
A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo havia identificado que, até o início de novembro, 500 mil alunos da rede não tinham entregado nenhuma atividade letiva neste ano, o correspondente a cerca de 15% dos 3,5 milhões de matriculados. A evasão escolar é um dos efeitos mais temidos da pandemia por gestores e especialistas em educação.
A Escola Estadual Professor José Bonifácio Andrada e Silva Jardim, no Jardim Romano, zona leste da capital, lançou no Facebook a campanha “Procurando Alunos”, inspirada no tema do filme de animação “Procurando Nemo”, da Disney Pixar. Na postagem, feita no dia 25 de novembro, a direção da escola pede aos alunos, que não fizeram nenhuma atividade online para ligarem ou comparecerem à unidade.
O diretor da escola, Rodrigo Henriques, disse que o retorno da campanha tem sido um sucesso. Dos cerca de 300 estudantes que procuraram a unidade escolar após a postagem, a maioria já entregou as atividades escolares e garantiu as notas para fechar o ano. Segundo Henriques, a unidade também disponibilizou uma sala com toda segurança sanitária para quem não tem computador em casa poder fazer as atividades e wi-fi no local para o aluno que tiver celular. O diretor disse ainda que a campanha não terminou e os alunos podem realizar as atividades até dia 18 de dezembro. “Os [estudantes] que vieram foram contemplados 100%”, afirmou.
Em Sorocaba (99 km de SP) a Escola Estadual Professor Antonio Cordeiro lançou na sua página do Facebook, no dia 26 de novembro, uma campanha de Black Friday para os estudantes entregarem as atividades escolares atrasadas. Na postagem, a escola, com bom humor, alerta que está em ritmo de promoção e pede para os alunos saírem do negativo, entregando as atividades e garantindo 100% de aproveitamento.
Na cidade de Ituverava (413 km de SP), uma equipe da Escola Estadual Antônio Justino Falleiros está realizando o projeto “Justino na Praça”. Educadores têm utilizado um carro de som para anunciar plantões em uma praça para entregar material escolar aos alunos que não estão participando das aulas online e dar suporte pedagógico.
Outra ação feita pela unidade é a visita de professores às casas dos alunos que tiveram menor ou nenhuma participação nas aulas remotas. O projeto foi inspirado no filme “De porta em porta”, no qual o protagonista é rejeitado pela empresa que trabalha e passa a vender produtos batendo na porta das casas.
Nas visitas, os professores explicam para os estudantes e familiares a importância da continuidade dos estudos e apresentam soluções. Quando deixam o local, eles colam um adesivo no portão da casa dos alunos visitados com a mensagem “Escola Justino na sua casa! Aqui, educação é prioridade”. No total, já foram visitadas mais de 130 residências, segundo a Secretaria Estadual de Educação.
Governo usa redes sociais
As redes sociais também fazem parte da estratégia da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo para combater a evasão escolar e fazer a busca ativa dos estudantes que não têm participado das aulas remotas. A pasta lançou uma campanha, no dia 2 de dezembro, para divulgar as atividades letivas em vídeos curtos no TikTok, plataforma que reúne muitos usuários jovens.
O projeto é uma parceria da Secretaria de Educação com o Tik Tok, influenciadores digitais e a produtora KondZilla, dona de um dos maiores canais no YouTube e responsável pelos videoclipes de maior sucesso do funk. Na campanha, serão divulgados 12 vídeos na rede social, gravados por seis influenciadores digitais, como Esdras Saturnino e Caio Pericinoto. Eles utilizam a linguagem divertida dos vídeos do TikTok para divulgar o Centro de Mídias da Educação São Paulo e incentivar os estudantes a entregarem os trabalhos escolares.
Acolhimento de estudantes
Com a data da reabertura das escolas e retorno às aulas presenciais ainda incertas devido a pandemia, especialistas dizem que este é o momento de acolher os estudantes. Por isso, eles defendem as ações dos professores de buscarem alunos pela internet, telefone e até pessoalmente nestes últimos dias do ano letivo para que entreguem as atividades online.
Para a professora Neide Noffs, titular do Departamento de Formação Docente, Gestão e Tecnologias da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), os professores estão fazendo o que está ao alcance deles para mudar a realidade dos alunos neste momento. Segundo Neide, os professores estão criando alternativas para se aproximar dos alunos, abrindo uma janela e dizendo para eles que podem ajudar. “Eles estão acolhendo as diferenças dos alunos”, afirmou.
Neide afirmou que os professores estão agindo com bastante dignidade, indo para a linha de frente como os profissionais da saúde com todos os protocolos de segurança e privilegiando o ato de acolher a desigualdade. “Elaboraram atividades remotas, reuniões online e agora estão em um movimento de dizer [para os alunos] 'estamos aqui para nos encontrarmos', falar ao telefone e ir em bairros fazer visitas [aos estudantes que não estão participando das aulas virtuais]”, disse.
Solange Feitoza Reis, pesquisadora e Técnica de Projetos do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), disse que devem ser valorizadas as iniciativas dos professores, técnicos e Secretaria da Educação de mapearem territórios e organizarem a busca ativa das crianças e os adolescentes que estão fora da escola, ou em risco de evasão escolar e vulneráveis economicamente e socialmente, como meninas em risco reprodutivo e deficientes que ficam esquecidos.
“A nossa função agora neste momento é contribuir para o acolhimento dessas crianças e adolescentes”, disse.
Segundo Solange, esta não é uma tarefa fácil porque os professores tiveram toda a prática de trabalho alterada, trocando os alunos em sala de aula por uma tela de computador. Ao mesmo tempo, o estudante também teve que aprender de maneira diferente e as mães foram obrigadas a assumir uma outra tarefa sem ter formação para isso. “As mães não estavam acostumadas a lidar com o erro do filho, não era atribuição delas, era função da escola”, explicou.
Outro agravante destacado pela pesquisadora é que esse período de interrupção das aulas trará impactos na educação, repercutindo no planejamento das políticas educacionais, atividades pedagógicas e pode induzir o aumento da exclusão escolar. “Grandes períodos de afastamento tendem a ter o abandono escolar. A gente tem vários estudos nos Estados Unidos [indicando a evasão escolar] e um levantamento da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico] mostra que um grande período de afastamento, mesmo em férias mais expandidas, tem um déficit de retorno”, enfatizou.
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