Preocupada com a irmã, internada com Covid-19 desde terça-feira (26), a professora Edileuza Ferreira, 43 anos, precisou buscar atendimento médico para amenizar os sintomas de ansiedade. Não bastasse o estado de saúde de Luciana, 44, a angústia é agravada pela distância: a paciente teve de ser transferida para que conseguisse um leito de UTI.
Ela saiu da UPA de Rio Grande da Serra (ABC) para o Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André (ABC) —distantes 20 km. Rio Grande da Serra é uma das cidades da Grande SP que não oferecem leitos de UTI específicos para o tratamento da Covid-19. Há, ainda, aquelas que não possuem nenhuma unidade de internação, seja enfermaria ou UTI, para a doença, como Biritiba Mirim, Juquitiba, Pirapora do Bom Jesus e São Lourenço da Serra. Todas elas têm populações entre 15 mil e 32 mil habitantes.
O levantamento do Agora foi feito com base nas informações do Simi (Sistema de Monitoramento Inteligente) do governo do estado.
Falta de recursos e tamanho da população são fatores que acabam justificando que alguns municípios não ofereçam leitos de média e alta complexidades, segundo Geraldo Reple Sobrinho, presidente do Cosems-SP (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de SP). O objetivo é evitar uma subutilização desses serviços e comprometimento de uma verba que poderia ter outro uso.
“Tem cidade que não teria população para usar um hospital de complexidade”, afirma Reple, que também é secretário da Saúde de São Bernardo. O que é imprescindível, ele diz, é que as cidades tenham pelo menos uma sala de estabilização.
As transferências intermunicipais de pacientes —não só, mas também nos casos de Covid-19— são realizadas por meio do sistema da Cross (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde). A tentativa é de que as vagas sejam ofertadas em municípios próximos, mas, caso não seja possível, o raio é aumentado.
Na capital, 22% são de outras cidades
Desde o início da pandemia, a capital paulista já realizou 6.279 internações de pacientes com Covid-19, seja em enfermaria ou UTI. Dessas, 1.377 (21,9%) eram pessoas de outras cidades, segundo a Secretaria Municipal da Saúde. Até sexta-feira (26), janeiro tinha 2.135 pessoas internadas, sendo 413 (19,3%) de fora da capital.
“Os equipamentos de saúde da cidade de São Paulo prestam serviços em regime de ‘porta aberta’. Dessa forma acolhem e atendem todos aqueles que procuram os serviços, independente da sua procedência”, afirma nota da pasta.
Segundo o texto, “a estrutura hospitalar está bem dimensionada”, e o acolhimento de pessoas de outros municípios não representa, neste momento, um risco de sobrecarga do sistema.
Cidades da região metropolitana que não têm leitos de internação enviaram pelo menos um paciente para tratamento na capital. As parcelas de destaque, contudo, ficam com municípios maiores e que têm estrutura de internação.
Das 6.279 internações naquele mês, 154 vieram de Guarulhos, 117 de Osasco, 79 de Santo André e 70 de São Bernardo do Campo.
Rio Grande da Serra transferiu parte dos pacientes
Quase um terço das pessoas que precisaram de internação devido à Covid-19 em Rio Grande da Serra, na Grande SP, tiveram que ser transferidas para outras cidades para realizar o tratamento, segundo a prefeitura da cidade. Esse foi o caso da tia da faxineira Marcia Izabel da Silva, 46 anos.
Segundo ela, a idosa de 67 anos, que adoeceu no ano passado, precisou de um leito de UTI, estrutura que a cidade não oferece, e precisou ser encaminhada para a capital. Rio Grande da Serra, que tem 51 mil habitantes, possui cinco leitos de enfermaria e uma sala de estabilização na UPA Vereador José Gonçalves da Rocha.
“A pessoa fica aqui [na cidade] até quando corre risco de morte, aí depois eles mandam pra outro lugar. A minha tia pegou [Covid-19], ficou aqui sofrendo até mandarem para a arena [o hospital de campanha do Pacaembu] de São Paulo”, diz a Marcia Izabel.
Com isso, ela afirma, a família tinha que viajar quase 50 km por mais de uma semana para tentar ter notícias. “A minha prima tinha que ir para São Paulo e ficava lá fora porque não podia ficar junto. Foram oito dias assim”, afirmou. No final, a mulher teve alta, mas ainda segue com sequelas.
Gestão segue regulação estadual
Segundo a Prefeitura de Rio Grande da Serra, gestão Claudinho da Geladeira (Podemos), até a sexta-feira (29) a UPA da cidade havia realizado 2.416 atendimentos de Covid-19, e 250 deles precisaram de internação. A administração diz ainda que os encaminhamentos são realizados por meio da regulação estadual, especialmente para os hospitais Nardini, em Mauá, Serraria, em Diadema, e Mário Covas, em Santo André, todos no ABC.
Municípios não oferecem ajuda de custo a familiares
Quando moradores de cidades que não oferecem leitos para o tratamento de Covid, seja de enfermagem ou de UTI, precisam de internação em outras cidades, familiares precisam bancar os custos de deslocamentos caso queiram se manter perto desses pacientes.
Em Rio Grande da Serra, a prefeitura afirma que o município não possui recursos para apoiar os familiares em traslado ou qualquer outra ajuda de custo. Mais de 80 pessoas da cidade já foram encaminhadas para outros municípios em busca de UTI.
Já em Ribeirão Pires, um hospital de campanha foi montado com 41 vagas de enfermaria e tratamento semi-intensivo. Pacientes graves, que precisam de UTI, são inseridos no sistema estadual em busca de vagas em outros locais. “A pessoa pode ir para muito longe ou ficar perto, depende [de onde tem vaga]”, afirma o secretário da Saúde Audrei da Rocha Silva. Da cidade, 87 pessoas precisaram sair da unidade para outras cidades.
A cidade também não tem capacidade de prestar ajuda de custo a essas pessoas, segundo Silva, mas o município presta apoio no contato com os outros hospitais, caso seja necessário.
De Pirapora do Bom Jesus, onde 1.015 pessoas testaram positivo para o coronavírus, 51 precisaram ser internadas em outras cidades, segundo a prefeitura. Lá, também não há nenhum tipo de apoio a familiares desses pacientes.
Casos graves em Biritiba Mirim também são encaminhados. Os pacientes que precisam de internação saem especialmente para o Hospital das Clínicas Luzia de Pinho Mello, em Mogi das Cruzes. Biritiba Mirim possui apenas três leitos para observação e emergência.
São Lourenço da Serra não detalhou para onde os pacientes usualmente vão. Sem leitos de internação, o município também recorre ao Cross para encaminhar pessoas com Covid-19.
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