Moradores do Bexiga, na região da Bela Vista (centro), se queixam da construção de dois prédios que serão erguidos em áreas tombadas e que estão próximos à nascente do córrego Saracura, canalizado desde 1935.
Um dos terrenos, na rua Almirante Marques Leão, 708, tem tapumes e as obras do estande de vendas estão a todo vapor. No outro, na rua Rocha, sem número, não há identificação.
O Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) diz que as obras são regulares, apesar da área de preservação.
A liberação para as duas obras aconteceu durante a 724ª reunião ordinária do colegiado do Conpresp no dia 18 de janeiro.
"Isso afeta o patrimônio histórico e ambiental da região. Aqui temos imóveis históricos", diz Paulo Santiago de Augustinis, 74 anos, 40 deles no Bexiga. Ele é co-fundador do Museu Memória do Bixiga.
O terreno na rua Rocha, onde a Seng Administradora de Bens pretende erguer um prédio, fica numa espécie de encosta que aos fundos dá para a rua Doutor Seng. O local, uma área verde em desnível, comporta muitas folhagens, bananeiras, pés de cana-de-açúcar, árvores de grande porte e outras frutíferas tais como goiabeiras e abacate.
Na manhã desta quinta-feira (11) era possível perceber vários pássaros nas árvores ou que davam suas bicadas em frutas.
Já a Trisul ocupou um antigo estacionamento e, segundo a empresa, o empreendimento vai ocupar imóveis que não são tombados.
Sentindo-se indignados com a decisão do Conpresp, moradores do colegiado Salve Saracura protocolaram na última quinta-feira (11) um recurso no órgão na tentativa de rever a decisão. "O que a gente defende é que esses novos empreendimentos respeitem o tombamento. Não é que a gente não venha nenhum prédio para cá. O que precisa é respeitar esses limites", afirma o funcionário público Rafael Hime Funari, 30 anos.
Entre os argumentos usados pelo coletivo está a necessidade de preservação da Grota do Bexiga, pequena área de proteção ambiental onde está localizada a nascente do rio Saracura.
Os moradores alegam ser inconsistentes os argumentos das construtoras, que sustentam, entre outros, a qualificação do espaço e preservação da região. Também pedem a manutenção de imóveis tombados, limites de altura e necessidade de resgate dos vestígios arqueológicos do bairro.
Riscos podem crescer, diz engenheira ambiental
Para a engenheira ambiental Fabiana Lucena, 40 anos, a construção dessas obras e a retirada de árvores poderá impactar diretamente na permeabilidade do solo, já que significará a retirada de área verde, podendo provocar mais transtornos em dias de chuva em pontos como a praça 14 Bis e até a avenida 9 de Julho.
Na avenida onde fica a praça há placas com alertas de que ali é área de alagamentos.
"Pensando num dia muito quente, a gente vai ter um dia muito seco e quente. Uma área verde o meio do bairro traz frescor. Ela deixa o ar mais úmido e a gente evita ilhas de calor. E isso é um impacto muito grande na saúde das pessoas", diz.
O mestrado de Cláudia Muniz, 33 anos, professora da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), abordou a ação do DPH (Departamento de Patrimônio Histórico) nos anos 1980 no bairro da Bela Vista e como o órgão tratou a questão da habitação popular na região. Ela diz que as autorizações para as construções não levaram em consideração as diretrizes que fundamentaram a resolução de tombamento do local.
"A área da grota recebeu essa preservação oficial em função de suas características formológicas, físicas e paisagísticas e a construção desses novos empreendimentos vai descaracterizar essa condição que já está ratificada para ser preservada há quase 20 anos."
Resposta
O Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) diz que os projetos atendem aos critérios estabelecidos pela resolução de 2002 que tombou áreas do Bexiga.
"Na análise conselho, os projetos apresentados preservam as características predominantes do seu entorno", diz trecho da nota.
A Trisul, responsável pela construção do imóvel na rua Almirante Marques de Leão, afirma que tentou, sem sucesso, comunicação com as associações de interesse. A Salve Saracura confirmou ter recebido um email e que solicitou a reunião com a mediação do poder público, o que não foi aceito.
Segundo a Trisul, a área de estacionamento e imóveis que foram derrubados abrigarão um empreendimento para 330 famílias. "Nenhuma das edificações eram alvo de tombamento", diz. "Além disso, o imóvel não se encontra em área de proteção ambiental e nunca houve nascente ou manancial de água em seu interior, estando de acordo com aprovação da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente."
A empresa afirma ter autorização para montar o estande de vendas e está obedecendo às regras da lei de zoneamento impostas para a região.
Questionada, A Seng Administradora de Bens não respondeu até a conclusão desta edição.
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