Sorte. Números. Esperança.
Não basta ganhar na loteria.
É preciso lembrar que apostou.
Deu no jornal.
Prêmio da Mega-Sena é esquecido pelo apostador.
O sr. Canuto estava na dúvida.
—Será que eu apostei?
A memória andava falhando ultimamente.
—Cadê o preservativo?
A mulher estranhou.
—Preservativo? Como assim, Canuto?
Ele queria dizer outra coisa.
—O comprovante.
Canuto abriu a gaveta da cabeceira.
—Olha… achei! Está cheio de números.
Era a conta com os gastos do cartão de crédito.
—Vem, Canuto. Hora do chazinho e do remédio.
O olhar do ancião se fixou na parede branca.
—Estranho… torrada mais sem gosto.
—Você está comendo o guardanapo, meu bem.
Mas daquela vez o ancião estava correto.
—É a torrada mesmo.
E era a Covid.
Intubado, ele tentava se comunicar.
—Traz a Bíblia… traz a Bíblia.
Ele não queria ajuda espiritual.
Tinha se lembrado.
O comprovante estava enfiado no Livro de Jó.
Ele fechou os olhos.
Uma grande porta dourada. Joias. Tesouros.
O Major Olímpio dava as boas-vindas ao paraíso.
—Ganhaste o verdadeiro prêmio, Canuto.
O vírus se multiplica.
Bobeou, qualquer um é sorteado.
Voltaire de Souza
Assuntos relacionados
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.