Escavações no Museu do Ipiranga revelam 400 peças, inclusive dentadura centenária

Itens de cerâmica são a maior parte dos achados; materiais podem ter sido usados em rituais religiosos

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São Paulo

Integrantes da equipe de arqueologia que realiza o acompanhamento das obras de restauração do Museu do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, localizaram cerca de 400 peças de interesse arqueológico no local desde que as obras começaram, em outubro de 2019.

A maior parte desses fragmentos é composta por louças que estavam enterradas entre 20 cm e 30 cm da superfície do solo, muitas delas próximas às árvores do jardim. Além das porcelanas, foram localizados ossos, moedas, cachimbo e até uma dentadura, que, pelas características, pode ser centenária.

Além do jardim, as peças foram localizadas em escavações que estão sendo feitas na frente do prédio principal, que abrigará uma nova entrada, auditório, espaço educativo, café, loja e novas salas para exposição.

Arqueólogo Renato Kipnis, diretor da Scientia Consultoria Científica, empresa responsável pelo acompanhamento e monitoramento arqueológico, mostra parte dos artefatos localizados - Ronny Santos/Folhapress

Segundo o arqueólogo Renato Kipnis, diretor da Scientia Consultoria Científica, empresa responsável pelo acompanhamento e monitoramento arqueológico, a importância da localização das peças está em conhecer melhor o uso do complexo (onde está o museu) pela população, além do que já se sabe, para lazer. “Joga luz num outro aspecto importante do passado da vida cotidiana da cidade que normalmente não é documentado ou não é relatado”, afirma.

Um desses usos não documentados é, possivelmente, o de se valer do espaço para práticas religiosas de origem africanas. Segundo Kipnis, também coordenador do projeto de arqueologia nas obras do Museu do Ipiranga, essa conclusão prévia se baseia no tipo de peças encontradas, louças; e o fato delas terem sido encontradas próximas às árvores, o que pode indicar que esse objetos eram usados para depósito de oferendas. Tanto é que as árvores extraídas do jardim também serão alvo de estudo.

Ainda não é possível saber a data exata de cada uma das peças. Isso será objeto de um estudo que deve demorar ao menos um ano. Depois disso, as peças serão devolvidas ao Museu do Ipiranga e poderão integrar, no futuro, uma exposição.

Parte dos objetos encontrados durante as escavações na área do Museu do Ipiranga, na zona sul de São Paulo - Ronny Santos/Folhapress

Objetos

No local também foram localizadas várias moedas, algumas cunhadas há mais de 100 anos. Uma delas tem a imagem do busto de Visconde de Mauá, industrial que criou a primeira via férrea do país.

Algumas louças, entre pratos, potes e xícaras, são de porcelana e datam do fim do século 19 e início do século 20. Uma delas parece ser o fundo de um prato raso e tem o registro da marca holandesa Société Céramique Maestrich. Outro pedaço de prato tem a identificação da Fábrica de Louças Santa Catharina, uma das pioneiras do Brasil, e que, apesar do nome, era feita na região da Lapa, na zona oeste de São Paulo. Essa empresa foi posteriormente incorporada à Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo.

Outro fragmento é de uma garrafa de vidro com a inscrição “Labor omnia V”, que especialistas da Scientia Consultoria Científica dizem acreditar ser de um frasco de medicamento importado da empresa Caswell Mack & Co., Chemists New York & Newport.

Pela técnica usada para sua fixação na boca, a de criar uma câmara de vácuo na região do palato (placa óssea na parte superior da boca), os arqueólogos estimam que ela deve ser do início do século XX, portanto, centenária - Ronny Santos/Folhapress

Dentadura

A localização de alguns objetos intriga até mesmo os arqueólogos. Nas escavações da área externa foram localizados ossos de animais, provavelmente de vaca ou boi, com sinais de marcas de cortes feitos por algum instrumento de metal. No local foi identificado ainda um fragmento de uma mandíbula que pode ser de um gato e dentes de um porco doméstico.

Outra peça é um cachimbo de barro localizado no contrapiso do museu, na área interna. A peça, segundo os pesquisadores, foi importada dos Estados Unidos, mas ainda não é possível saber quem a fabricou, quando e como ela foi parar lá. As hipóteses vão desde a peça ter pertencido a algum operário que trabalhou na construção do museu ou mesmo ser integrante de algum acervo abrigado no museu.

O objeto mais inusitado de todos é uma dentadura com uma restauração de um dente em ouro, localizada no processo de remoção de árvores do jardim que serão replantadas. Pela técnica usada para sua fixação na boca, a de criar uma câmara de vácuo na região do palato (conhecido também como céu da boca), os arqueólogos estimam que ela deve ser do início do século 20, e, portanto, centenária.

Essa conclusão se deu pelo fato de que, já na segunda metade do século 20, outras técnicas passaram a ser utilizadas para fixação do objeto.

A obra

Além da ampliação, a obra no Museu do Ipiranga consiste também em restauração do edifício principal, em estruturas como a fachada e interiores e em elementos de marcenaria, como portas e batentes. A obra tem custo de R$ 187 milhões e a previsão é que seja concluída em setembro de 2022, para a celebração do bicentenário da Independência do Brasil.

Como os visitantes não podem visitar o espaço desde 2013, data em que ele foi fechado devido a problemas estruturais, foi criado neste ano um passeio virtual pelas obras. Ele pode ser acessado neste link ou no endereço https://www.banibconecta.com/site/tour/concrejato/museuipiranga2021

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