Crise. Desemprego. Pandemia.
A situação não melhora na cidade.
Lísio tossia levemente.
—Tragédia é pouco.
Aos 45 anos, ele não conseguia trabalho.
—Nem comida.
Lísio começava cedo sua peregrinação pelas ruas do centro.
—De fila em fila.
Tinham avisado de uma distribuição de agasalhos em Santana.
—Se der tempo, ainda pego a sopa debaixo do Minhocão.
Lísio encostou num poste para recuperar o fôlego.
A estudante Marinara teve pena.
—Fica com esse trocado aqui.
Lísio examinou incrédulo a nota de dez.
—E eu que nunca quis pedir esmola…
Ele tossiu mais uma vez.
—Vou considerar um empréstimo de emergência.
A Lotérica Sua Vez anunciava com destaque.
Mega-Sena acumulada. Coisa de cem milhões.
O cansaço de Lísio era grande.
—Fico um pouco nessa fila…
O sonho crescia.
—E se eu apostar?
Ele fechou os olhos. Tontura. Baixa oxigenação.
Um médico chamado dr. Marco Aurélio estava também na fila.
O exame foi rápido.
—Variante indiana. Mais uma vítima.
O vírus ataca.
—Vírus coisa nenhuma. É fome.
Ele explica.
—Fome indiana. O pior tipo.
O mundo é pequeno.
E fica menor quando o cinto aperta.
Voltaire de Souza: Mais uma vítima
Voltaire de Souza
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