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Passageiros têm dificuldade com viagens por aplicativo em SP

Com a alta do combustível, motoristas cancelam corridas para não ter prejuízo

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São Paulo

Parte dos paulistanos faz uso de viagens por aplicativos para se locomover, buscando evitar o trânsito e o transporte público ou apenas ter mais comodidade no deslocamento. Pedir um carro por ferramentas como Uber e 99, todavia, virou um desafio para os passageiros, que relatam muita espera e cancelamento de viagens. Os motoristas dos aplicativos, por sua vez, afirmam ser difícil continuar nas plataformas com os atuais custos de trabalho.

O designer Ícaro Guerra, 34, não tem carro e não usa transporte público desde o início da pandemia. Seu celular conta com os aplicativos da Uber e da 99 e ele diz usá-los cerca de quatro vezes durante a semana. "Também uso durante o fim de semana inteiro, para almoçar, ver amigos, voltar para casa. É uma frequência bem grande", conta.

Guerra afirma estar insatisfeito com suas últimas tentativas de viagens por aplicativo, que contaram com longos tempos de espera. "Brinco que é a 'saga do Uber', a saga de tentar sair de casa. Não tem mais uma previsão de descer e conseguir um carro, é uma eterna tentativa. Peço e espero a sorte de alguém aceitar", explica.

O designer Ícaro Guerra, 34 anos, usa aplicativos de viagens mais de quatro vezes por semana e relatou muita dificuldade e atrasos em compromissos devido ao cancelamento dos motoristas. - Ronny Santos/Folhapress

O designer diz ter identificado alguns padrões no processo de esperar por uma viagem. "Normalmente, a gente pede, o motorista aceita e fica parado, estacionado, esperando que a gente cancele a corrida", conta.

Em outras situações, relata Guerra, a viagem é aceita, mas logo depois é cancelada pelo motorista. "Ao aceitar, eles [motoristas] veem onde a gente está e para onde vamos. Se não é interessante para eles, cancelam e a gente tem que esperar vir o próximo". Segundo o designer, em seguida, vários motoristas vão recusando a viagem e o tempo de espera aumenta.

O motorista de aplicativo Leandro Nogueira, 45, confirma essa nova realidade. Segundo ele, são muitos os motivos da dificuldade para conseguir solicitar viagens, sendo o principal deles o aumento no custo operacional para os motoristas.

Há 3 anos, quando começou a trabalhar dirigindo para aplicativos, ele conta que tinha um custo de etanol que variava de R$ 1,19 a R$ 1,39 o litro. "Hoje, na minha região, o etanol está R$ 4,40. O custo operacional disparou", diz.

De acordo com levantamento semanal da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o preço médio do etanol na cidade de São Paulo está em R$ 4,38. O valor mínimo encontrado foi de R$ 3,89 no bairro do Tucuruvi (zona norte) e o máximo, R$ 5,49 na Barra Funda (zona oeste).

No mesmo levantamento, a média de preço da gasolina comum na capital foi de R$ 5,65, variando entre o valor mínimo e máximo também no Tucuruvi (R $5,09) e na Barra Funda (R$ 6,49), respectivamente.

A situação faz com que os motoristas comecem a selecionar as corridas para evitar um aumento de despesas. "Se eu estou a uma distância do passageiro de três quilômetros e a viagem é de um quilômetro, eu nem pego. Alguns pegam e, ao notar isso, cancelam", relata o motorista Leandro Nogueira.

Foi o que aconteceu com a estudante Dayane Paulino, 28. Ela mora em Americanópolis, na zona sul de São Paulo, e faz terapia semanalmente em um local a menos de quinze minutos de distância de sua casa.

Pediu um Uber para voltar para casa e, após um primeiro cancelamento, ela disse ter levado mais de quinze minutos para conseguir uma viagem, duplicando o tempo que levaria apenas no trajeto. "Os motoristas aceitam e cancelam o tempo todo", reclama.

Motoristas reclamam

Os dois grandes aplicativos de transporte de passageiros do país, Uber e 99, anunciaram reajustes por conta do aumento do preço dos combustíveis.

Na 99, o aumento de preço vai de 10% a 25%. Segundo a empresa, a medida visa “equilibrar a plataforma, oferecendo mais ganhos para os parceiros e mantendo a acessibilidade do serviço aos passageiros”. O reajuste vale para mais de 20 regiões metropolitanas, incluindo São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Salvador.

No caso da Uber, a empresa afirma que não haverá mudança na tarifa para o usuário, apenas no repasse para o motorista. O reajuste no repasse será de até 35% para viagens UberX, a categoria mais popular do aplicativo, na região metropolitana de São Paulo.

Segundo Eduardo Lima, presidente da Amasp (Associação de Motoristas de Aplicativo em São Paulo), o reajuste oferecido é insuficiente. “Pelo tanto de aumento que tivemos no combustível, ainda estamos em déficit”, diz Lima.

“Alguns motoristas acabam não fazendo contas, cálculos e acabam aceitando viagens com um ganho muito menor, que são as promocionais para o passageiro. Isso sucateia o serviço”, afirma o motorista Leandro Nogueira. (com Folha)

Situação criou novos desafios, dizem economistas

Para o economista e educador financeiro, Tiago Cespe, é importante que os profissionais que trabalham nos aplicativos façam cálculos. "Já vi algumas pessoas se disporem a trabalhar sem fazer conta de quanto realmente é o gasto para ter a profissão. Se você chegar no final do mês e simplesmente estiver casando o seu gasto com o que você recebe, não faz sentido", defende.

Cespe afirma que, para algumas pessoas, é mais vantajoso usar os aplicativos para se locomover do que ter o próprio carro. "O paradoxo é que, com a alta do combustível, elas abrem mão de seus carros para usar Uber. Só que o próprio motorista está desistindo de ser Uber. É um novo desafio", diz.

O professor de economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Matheus Albergaria, relembra que as viagens por aplicativo, quando chegaram em São Paulo, trouxeram uma proposta alternativa muito interessante em relação a indústria dos táxis.

"Entre 2014 e 2015, alguns taxistas se davam ao luxo de escolher corridas e isso não acontecia com os aplicativos", explica. Segundo Albergaria, havia duas vantagens para os passageiros de aplicativos: as corridas eram mais baratas e era possível fazer uma corrida de um trecho inferior a um quilômetro, pois dificilmente um motorista de app reclamaria.

"A grande ironia é que, com o aumento dos preços dos combustíveis e manutenção da taxa que vai pro Uber e pro 99, os motoristas de aplicativos, semelhantes aos de táxi, estão escolhendo corridas", comenta. "Ironicamente, estamos retornando a uma situação semelhante à indústria dos táxis."

O professor diz que os consumidores acostumaram-se a utilizar os aplicativos e, no atual momento, mesmo com esse cenário problemático, continuam usando o serviço. No entanto, a demanda pode mudar, a depender de eventos futuros, e as pessoas podem a passar a usar cada vez menos os aplicativos.

"O que é muito interessante nesse contexto é começarmos a questionar um pouco o modelo de atuação dessas empresas. Seria interessante repensar o modelo de negócio delas, assim como as taxas que elas acabam recebendo pelas corridas", complementa.

Resposta

A Uber, em nota, disse que "opera um sistema de intermediação de viagens dinâmico e flexível, por isso buscamos sempre considerar, de um lado, as necessidades dos motoristas parceiros e, de outro, a realidade econômica dos consumidores que usam a plataforma, tendo em vista a preservação do equilíbrio entre oferta e demanda que é fundamental para a plataforma".

Com a pandemia, pessoas que antes não usavam a Uber no dia a dia agora estão optando pelo app, afirma a empresa. "Esse contexto de alta demanda por viagens vem se acentuando nas últimas semanas, conforme o avanço da campanha de vacinação e a reabertura progressiva de atividades comerciais pelas autoridades. Nesse sentido, os usuários estão tendo de esperar mais tempo por uma viagem porque, especialmente nos horários de pico, há mais chamados do que parceiros dispostos a realizar viagens."

Em relação à experiência dos usuários, a Uber cita o preço dinâmico e as promoções para motoristas parceiros como medidas para reduzir o tempo de espera. Segundo a empresa, o preço dinâmico é um recurso muito útil porque, por um lado, faz alguns usuários adiarem as suas viagens à espera de um preço menor e, por outro, incentiva que mais motoristas parceiros se desloquem para atender uma determinada região. O preço dinâmico é temporário e, por isso, a dica para os usuários é esperar alguns minutos antes de voltar a verificar o novo preço da viagem no app, porque ele é atualizado constantemente.

"No passado, a taxa de serviço cobrada dos motoristas parceiros pela intermediação de viagens era fixa em 25%, mas desde 2018 ela se tornou variável para que a Uber tivesse maior flexibilidade para usar esse valor em descontos aos usuários e promoções aos parceiros", complementa a nota.

Por sua vez, a 99 diz estar acompanhando os constantes aumentos dos combustíveis e seus efeitos negativos sobre a categoria. De acordo com nota enviada ao Agora, diante desse cenário, a empresa vem implementando diversas medidas para contribuir com mais ganhos para os motoristas parceiros. Por meio de sua tecnologia, a 99 tem realizado milhares de testes, em dezenas de cidades brasileiras, com o objetivo de revisar os ganhos dos motoristas parceiros.

"É importante ressaltar que, neste momento, a crise econômica afeta a todos e é preciso manter o equilíbrio da operação: oferecendo ganho e gerando demanda para os motoristas, ao mesmo tempo em que proporcionamos transporte eficiente e financeiramente acessível para os passageiros", finaliza o texto.

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