Escola municipal do Rio Pequeno que parecia prisão perde grades e se abre à população

Emef em bairro violento da zona oeste de SP trazia constrangimento aos alunos

São Paulo

Aos poucos, as grades de ferro da Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Brasil-Japão, no Jardim Sarah, no Rio Pequeno (zona oeste), periferia de São Paulo com histórico de violência, vão sendo serradas. No lugar, liberdade para ir e vir, além de parceria, confiança e humanização.

O projeto começou há dois anos, quando o professor de história com mestrado em educação Rafael Ferreira Silva, 36 anos, chegou à escola para assumir a direção. Não por acaso. Uma passagem relâmpago, em 2013, já tinha chamado a atenção do então docente.

"De cara, senti um incômodo muito grande pelo grau de violência que as grades colocavam em relação ao ambiente escolar", relembra Silva, que depois atuaria ainda no Núcleo Étnico Racial, da Secretaria Municipal de Educação.

De volta à escola, o educador não pensou duas vezes em mudar aquela visão prisional. Ou desconexa, como grades na porta de entrada dos banheiros dos alunos com cadeados e no balcão da cozinha por onde as crianças, diariamente, pegavam o prato da merenda.

Segundo diz, há relatos de alunos que estavam apertados para ir ao banheiro e acabaram fazendo nas calças, após a espera pelo inspetor para abrir a grade.

A aluna Nicoly Lima, 15 anos, confirma a situação, no mínimo, constrangedora. "A gente dependia das pessoas para abrir as grades. Imagina se acontecesse um incêndio", diz.

A amiga Anne Nunes, 14, do 9° B, também se mostra contrária a esse tipo de segregação física. "Parece prisão", avalia, ao lado de outros alunos que compartilham a opinião.

A partir de um mapeamento das grades e dos portões, houve muita conversa sobre o impacto social e humano que aquilo representava na vida das pessoas da escola. 

Gradativamente, as primeiras barreiras físicas começaram a ser eliminadas aqui e ali na escola. "Até agora, nenhuma retirada precisou ser recolocada", diz o diretor, orgulhoso.

 

Portões são vendidos e paredes começam a ganhar novas cores

Além das grades e dos portões de ferro sem função alguma que lentamente estão sendo retirados, vendidos e revertidos em recursos para a APM (Associação de Pais e Mestres), a Emef Brasil-Japão também sempre foi marcada por sua cara sisuda, sem cor, coisa que ficou no passado.

A unidade escolar pública com 52 anos de vida e cerca de 900 alunos, inclusive do EJA (Educação de Jovens e Adultos), está ganhando cor por dentro e por fora. As parcerias são muitas com a comunidade do entorno.

As melhorias internas de zeladoria têm nome e sobrenome com o grêmio estudantil Revolução Democrática BJ, instituído neste ano pela primeira vez.

"Pintamos os muros internos da escola, arrumamos a horta", afirmou a aluna Nathalya Lima, 13 anos, do 7º A, uma das 15 integrantes. O namorado da estudante, Christopher dos Santos da Silva, 15 anos, do 9º A, que pretende ser jogador de futebol, lembra que os mutirões de melhorias ocorrem sempre aos sábados.

Embelezamento foi o nome dado pelos estudantes ao projeto. "Já deu uma melhorada", afirma a presidente do grêmio, Maria Ofenizia, 16 anos, do 9º A.

Coordenadora do grêmio e uma das assistentes de direção, a professora Mariana Lima, 31 anos, afirma que era uma necessidade ter a escola mais colorida. "Foi a primeira coisa que pediram no plano de ações", diz.

Professor diz que divisória empobrece a educação

Professor de Política Educacional da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), Rubens Barbosa de Camargo, 60 anos, diz que são centenas de escolas públicas municipais e estaduais cercadas por grades dentro e fora. "O que não tem sentido algum", afirmou. 

O especialista diz que o papel da escola vai muito além de formar um cidadão. "Não é só aprendizado de conteúdo, o que empobrece a educação é esse pensamento. A concepção é mais ampla e deve envolver a comunidade nesse processo", afirmou o professor.

Camargo diz ainda que quanto mais grupos sociais acolhidos, menor o número de violência física. "Muitas vezes a escola é o único espaço de sociabilização desse aluno", afirmou. 

A professora de história da Emef Brasil-Japão Luciana Vicente, 49 anos, nascida e moradora no Rio Pequeno, disse que "a presença das grades é uma violência simbólica que não combina com educação".

Cozinheiras  se sentiam ameaçadas

Em 2017, a primeira etapa do então projeto piloto da escola retirou as grades instaladas nos corredores, nos banheiros dos alunos e dos professores, no refeitório, na secretaria, na sala de informática e na direção. Porém, foi a área da cozinha que demandou mais tempo de conversa até chegar no aval das cozinheiras.

Ao menos, seis meses de diálogo com as cozinheiras. "Elas tinham mais resistências em retirar as grades do balcão, onde as comidas eram servidas. No geral, se sentiam mais protegidas", afirma o diretor Rafael Ferreira Silva.

"Eu preferia com as grades no início, embora mesmo assim alunos jogavam comida aqui dentro. Achava que quando retirasse, ficaria muito pior. Sabe que isso não ocorreu mais", conta a cozinheira Saturnina Silva dos Santos, a Nina, 49 anos, há 13 na escola.

Sem a grade, a cozinheira Andréia Santos, 26, afirma que ficou bem melhor para servir a comida. Os estudantes também aprovaram, tamanha era a fila no refeitório. 

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