O tempo ocioso e o distanciamento social durante a quarentena para evitar o contágio do novo coronavírus foram um convite para que algumas pessoas colocassem em prática aquele projeto que não saía da gaveta por falta de tempo.
Logo após a confirmação dos primeiros casos da covid-19 em São Paulo, a assistente administrativo Roberta Rotta, 47 anos, foi demitida da agência de eventos onde trabalhava. O setor foi um dos primeiros a sofrer com a crise provocada pela pandemia. Em casa e com tempo, decidiu realizar um sonho antigo: fazer um curso online de saboaria e, assim, viver da arte de fazer sabonetes naturais.
Roberta gostou tanto da experiência que fez também o curso de aromaterapia e já encomendou a matéria-prima para começar a fazer as primeiras amostras.
Empolgada, decidiu que era hora de aprender a cozinhar. Fez esfihas e biscoitos. Também adotou um gato para distrair a filha Helena, 6 anos, e agora decidiu pintar o apartamento.
“Eu estou amando toda essa experiência. É algo que sempre quis fazer mas sempre teve medo porque temos contas para pagar. Não sei quando essa crise vai acabar, mas agora quero fazer algo que eu gosto. É uma realização pessoal. Acho que agora chegou a minha hora”, disse Roberta.
O eletricista automotivo Ricardo Tolotti, 55 anos, também está aproveitando a quarentena para voltar a ler livros e caminhar, o que não costumava mais fazer por falta de tempo.
Para preservar a saúde da mulher e da filha que fazem parte do grupo de risco para a covid-19, Ricardo decidiu no dia 19 de março trocar o Ipiranga, na zona sul, onde moram, pelo sítio da família em Ibiúna (a 69 quilômetros da capital).
“Eu já li dois livros ótimos e caminho três quilômetros todos os dias. São hábitos que deixei por falto de tempo. Agora estou aqui e não tem mais livros e estou desesperado para ler. Vou ter que sair para comprar um”.
Publicitário troca período no trânsito por cursos pela internet
Trabalhando em home office desde o início da quarentena, o publicitário Guilherme Monteiro, 26 anos, transformou as três horas diárias que perdia no trânsito para ir e voltar da empresa para ampliar seu conhecimento e investir no seu projeto pessoal de decoração de interiores.
Guilherme já fez três cursos online gratuitos, um deles sobre como falar melhor em público. Outro curso é sobre gestão do tempo e ansiedade, justamente o que muitos precisam nesse período de quarentena e distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus.
“Hoje eu uso o tempo que gastaria no trânsito para ampliar meu conhecimento”, afirmou Guilherme.
Ele e seu companheiro, o analista financeiro Ampélio Tambellini Filho, 29 anos, também têm dedicado mais tempo à produção de conteúdo para a página no Instagram, o Apeguinho, onde dão dicas de decoração e mostram detalhes do apartamento onde moram. “Lá nos compartilhamos a nossa vida e a nossa casa, com dicas de decoração”, disse Guilherme.
Outra iniciativa de Guilherme e Ampélio durante essa quarentena foi pintar o apartamento durante o fim de semana. “Já tínhamos a tinta que sobrou da reforma. Aproveitamos e retocamos a pintura”, disse.
Microempresária se torna voluntária para esclarecer dúvidas
A microempresária Patrícia de Campos, 57 anos, viu o ritmo de trabalho diminuir logo no início da quarentena. Ela faz representações comerciais de hotéis e pousadas, mas como o setor de turismo foi um dos primeiros a ser afetados com a crise da pandemia da covid-19, ficou com o tempo ocioso.
“Eu não tinha mais hotel para visitar nem representar. Foi quando eu senti a necessidade de ajudar, de ser útil nesta história toda de pandemia”, afirmou.
Quando soube que a Prefeitura de Embu das Artes, na Grande São Paulo, onde mora, precisava de voluntários para responder a perguntas sobre o coronavírus feitas pelos moradores da cidade pelo WhatsApp, decidiu se candidatar. Desde a semana passada, faz plantão de 12 horas por 36 de folga. Com ela, fica uma profissional da saúde que ajuda nas dúvidas.
“Pra mim, é uma satisfação muito grande pode ajudar neste período de pandemia. Seja para dizer para a pessoa que ela precisa ficar em casa ou para ela ir para o hospital o mais rápido possível. É um sentimento bom de poder estar salvando uma pessoa”, afirmou Patrícia”.
Pessoas estão mudando prioridades, diz psicólogo
O psicólogo Marcelo Santos, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, disse que nesse período de distanciamento social e quarentena, quando muitos foram obrigados a pararem suas atividades, as pessoas estão tendo que reinventar a administração do tempo. E reinventar, diz o professor, é mudar as prioridades. “O que estava no fim da fila hoje passa ser essencial porque precisa preencher o tempo ocioso”, afirmou.
Segundo o professor, a quarentena está dando possibilidade para algumas pessoas de desacelerar e poder olhar para si mesmo. “E ao fazer esse exercício de olhar para si as prioridades mudam. Algumas pessoas já pensam até em mudar de profissão porque não querem mais o que viviam antes”, afirmou.
A psicóloga Luciene Fogaça afirmou que mesmo quem está trabalhando em casa e tem algum tempo sobrando está buscando algo para fazer para amenizar a angústia do imprevisível provocado por um vírus invisível.
“E nesse momento angustiante algumas pessoas conseguem recriar algo para ter uma sensação mínima de prazer”, afirmou.
Por outro lado, a psicóloga também ressalta que também há que fique paralisado diante do medo iminente da morte ou de perder o sustento devido à crise. “Esse medo também paralisa e faz com que a pessoa não se abra para essa experiência mais lúdica de prazer”, afirmou.
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