Descrição de chapéu Coronavírus

Escolas de samba de SP tentam se adaptar a um novo normal

Agremiações procuram se manter em atividade, apesar de o Carnaval ainda não ter data marcada

Juliana Finardi
São Paulo

Mesmo sem data confirmada para o Carnaval 2021, em virtude da pandemia do coronavírus, as escolas de samba de São Paulo ensaiam, de forma tímida, um “novo normal” para a retomada das atividades.

Com baterias mascaradas, shows com passistas em drive-ins, escolinhas de bateria em formato híbrido (ora online, ora presencial) e lives em redes sociais, as agremiações usam a criatividade para trabalhar.

“Anunciamos que teríamos ensaios na rua e pedimos a presença da mídia. Fizemos tudo conforme as regras sanitárias com distanciamento social, medição de temperatura e uso de máscaras, mas só fizemos um ensaio e suspendemos em virtude das notícias do aumento nos casos de Covid”, disse o mestre de bateria da Rosas de Ouro, Rafael Oliveira, 34 anos.

A escola, que faz parte do grupo especial, suspendeu todas as atividades presenciais, ensaios e eventos especiais que realizaria em empresas pelos próximos 15 dias. “Ou até um mês se for preciso”, acrescentou Oliveira.

Ensaio da bateria da escola de samba Rosas de Ouro, na semana passada; atividades voltaram a ser suspensas por causa do aumento de casos de Covid-19 em SP - Divulgação

Após realizar quatro ensaios presenciais, a Estrela do 3º Milênio, escola do grupo de acesso 1, também optou pela suspensão das atividades por 15 dias. “Nos mobilizamos para retornar aos poucos com parte da bateria e com escolinha apenas dos naipes que precisaríamos formar, mantendo em paralelo as aulas online. Porém, veio esse pisca-alerta das notícias de aumento no número de casos de Covid e voltamos à estaca zero”, disse a vice-presidente da escola, Miriam Moura, 47 anos.

Campeã no grupo de acesso deste ano, a Vai-Vai realizou um evento fechado, no último 14 (sábado), restrito às passistas da escola. “Foi uma palestra de uma passista do Rio de Janeiro para elas”, informou o gestor de Carnaval da escola, Claricio Aparecido Gonçalves. A Vai-Vai também realizará a final para a escolha do samba enredo, em formato de drive-in, em local ainda a ser definido no dia 16 de fevereiro. “Foram os únicos eventos que autorizamos. Fora isso, só quando tivermos vacina porque não vamos colocar nossa comunidade em risco”, disse.

A Barroca Zona Sul, do grupo especial, tem feito reciclagem com os integrantes da bateria. Para o trabalho, os 200 ritmistas são divididos em grupos menores, de 30 a 40 pessoas, escalonados por tipo de instrumentos.

“Da parte pré-operacional de Carnaval já está tudo pronto. Temos samba enredo definido, já fizemos uma live de divulgação, já tem a parte de projeto de alegoria e fantasia, de sinopse de enredo. Só estamos esperando a liberação do cronograma do Carnaval, que veremos no final do ano em função da vacina”, disse o diretor e membro da comissão de Carnaval, Fernando Godoi.

Em formato drive-in, a Colorado do Brás vai transmitir neste domingo (22), o desfile de 2018, ano em que subiu para o grupo especial. Durante o evento, que acontecerá na quadra da coirmã Dragões da Real, também haverá show com ala musical, bateria, passistas, comissão de frente e casais de mestre sala e porta bandeira.

Tom Maior, Águia de Ouro, Império de Casa Verde, Gaviões da Fiel, Acadêmicos do Tatuapé e X-9 Paulistana mantêm-se apenas em atividades remotas. Unidos de Vila Maria informou que está com 100% das atividades paralisadas.

Mestre distribui kits com máscara e álcool em gel

Os 200 ritmistas da “Pegada da Coruja”, nome da bateria da Estrela do Terceiro Milênio, escola do Grajaú, na zona Sul, pertencente ao grupo de acesso 1, ganharam um presente do mestre Vitor Velloso, 38 anos: um kit com máscara personalizada e álcool gel. A surpresa chegou na casa de cada um enviada por motoboy.

Vitor Velloso, mestre de bateria da Estrela do Terceiro Milênio, com parte dos componentes da bateria - Rubens Cavallari/Folhapress

“Tinha passado um tempo de pandemia e estava tudo fechado ainda. Então pensei em fazer algo para dar uma atenção ao pessoal. Aí tive a ideia das máscaras”, disse mestre Vitor. A opção pela entrega via motoboy aconteceu em virtude de os Correios terem um custo alto e também para oferecer trabalho a alguns dos integrantes do grupo. Ao todo, ele afirma ter gasto R$ 3,2 mil com a confecção das máscaras e a entrega. O álcool gel foi doado por uma empresa.

Rafael Santos Reis da Silva, 33 anos, foi um dos entregadores. “Foi impressionante. A escola fica no Grajaú e fizemos entregas em toda a Grande São Paulo, até no ABC. Todos amam essa bateria e me receberam com um sorriso no rosto. Tenho muito orgulho desse trabalho”, disse.

“Foi muito legal. Me senti cuidada e fiquei surpresa principalmente por ter abrangido a bateria toda. O Vitor arrasou demais”, disse Beatriz Cristina Santos, 31 anos, que está na escola desde 2017 e toca agogô.

De acordo com o mestre, o fato de muitos integrantes não terem condições financeiras para comprar máscaras e álcool gel influenciou em sua decisão. “E também o fato de o Grajaú ter sido uma das regiões de São Paulo com mais incidência de casos de coronavírus”, disse. As entregas aconteceram durante cinco dias em 190 endereços, já que muitos integrantes são familiares.

A bateria chegou a retomar os ensaios, mas suspendeu durante os próximos 15 dias em virtude das notícias de aumento nos casos de Covid.

Mancha tem escolinha

Adaptando-se ao formato híbrido (com aulas presenciais e online), a Mancha Verde, escola do grupo especial, mantém 200 alunos na escolinha de bateria. “Sempre quando estamos retomando o projeto do Carnaval, a escolinha é nossa primeira atividade. Este ano não foi diferente”, disse o mestre Guma Sena Sabino, 41 anos, e há dois no comando da bateria da escola.

Ele explicou que durante as aulas presenciais, que acontecem aos sábados, o uso da máscara é obrigatório, além do álcool gel e distanciamento social. “O distanciamento não é problema porque temos uma quadra muito grande, mas como trabalhamos em grupo e um depende do outro, os instrumentos têm de estar o mais próximo possível. Porém, garantimos a distância de 1 metro”, afirmou.

Mestre Guma também disse que o aprendizado continua por meio dos grupos de WhatsApp, através dos quais os alunos enviam vídeos com tarefas e esclarecem dúvidas. Sem uma data definida para o Carnaval, o trabalho, de acordo com o mestre, é pensado no dia a dia. “Deixei de criar expectativas. Estamos trabalhando o agora e vamos aguardar.”

Liga diz que Carnaval não é culpado por transmissão

A Liga das Escolas de Samba de São Paulo recomenda que as agremiações pratiquem o distanciamento social, utilizem máscaras e álcool gel. “Sabemos que as escolas têm retomado as atividades aos poucos e que os ensaios têm acontecido com elenco reduzido”, disse o gerente de Comunicação, Jairo Roizen.

A Liga é responsável por 34 escolas: 14 do grupo especial, 8 do grupo de acesso e 12 do grupo de acesso 2.

Roizen também criticou o fato de o Carnaval ter sido apontado como o grande vilão na transmissão do coronavírus no Brasil. “No mesmo período, aconteceram mais de 10 feiras internacionais em São Paulo, estádios estavam lotados, shoppings e baladas abertos. O Carnaval não é o vilão da história porque não existia nenhuma recomendação do Ministério da Saúde para que o evento não acontecesse”.

Resposta

A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), afirmou, por meio de nota, que o Carnaval 2021 permanece sem data confirmada e que só acontecerá com a devida autorização da vigilância sanitária e mediante aprovação de uma vacina de combate a Covid. A Prefeitura também afirmou que permanece em contato com as escolas de samba e demais entidades do setor.

Questionada sobre o assunto, a Secretaria Municipal de Turismo afirmou desconhecer a realização de ensaios nas ruas e disse que as ações internas das escolas são de responsabilidade da Liga.

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