Jovens ignoram riscos e invadem madrugada em bares e baladas em SP

Reportagem percorreu várias regiões da cidade e viu muita gente sem máscara em aglomerações

São Paulo

Jovens aglomerados e sem máscara tomam as ruas de São Paulo, na porta de bares e baladas e em ruas onde há venda de bebida alcoólica, e ignoram os protocolos de prevenção da Covid-19. As cenas foram flagradas pelo Agora entre as 22h de sexta-feira (20) e as 2h40 de sábado (21) em várias regiões da capital paulista. A reportagem não encontrou fiscalização, e nem a presença de viaturas da Polícia Miliar intimidava os grupos.

As aglomerações ocorrem em meio ao aumento de pessoas hospitalizadas por causa do novo coronavírus na cidade de São Paulo. O número de pacientes internados na rede municipal de saúde aumentou 33,96% entre os dias 1º e 23 de novembro. Em números absolutos, o salto foi de 642 para 860, segundo dados de boletins da Secretaria Municipal da Saúde, gestão Bruno Covas (PSDB).

Em alguns locais, os bares até fecham no horário estabelecido pelo governo estadual e pela prefeitura — desde 10 de outubro, eles podem funcionar até as 23h, só que os pedidos dos clientes podem ser feitos apenas até as 22h. O problema é que os jovens saem dos estabelecimentos e permanecem nas proximidades.

Situação como essa foi vista pela reportagem na rua Cesário Mota Júnior, na Consolação (centro), já que havia ambulantes comercializando cerveja e outros drinques. Quatro viaturas da Polícia Militar estavam pela região, mas sem intimidar a ninguém.

Alguns minutos depois, por volta das 23h, o Agora chegou à Vila Madalena, onde alguns jovens ainda permaneciam nas calçadas, apesar de os bares já estarem fechados.

Na rua Aspicuelta, porém, o barulho de música e das pessoas conversando chamava a atenção de quem passava. Um segurança de um imóvel em frente afirmou que acontecia ali um evento fechado, uma festa para amigos.

Da Vila Madalena, a reportagem rumou para a rua Guaimbé, na Mooca (zona leste), onde, por volta das 23h40, ainda era possível ouvir som no tradicional Templo Bar da Fé. Um atendente informou ser proibido entrar no local naquele horário, mas acrescentou que a casa iria funcionar até por volta de meia-noite (veja explicação do estabelecimento abaixo).

Isso descumpre decreto estadual, que estabelece 23h como horário limite para bares, restaurantes, cafeterias e afins atenderem ao público.

Em frente ao Templo, dois rapazes disseram, sem saber que falavam com a reportagem, que uma balada começava naquele instante em uma choperia na rua Santa Rita, no Pari (centro), para onde pretendiam ir.

No local, uma recepcionista, sem máscara, afirmou que duas bandas fariam a alegria da noite, estimada para acabar por volta das 5h de sábado (21). A entrada custava R$ 20 para mulheres e R$ 30 para homens. O evento ocorreu em um lugar fechado e aparentemente sem ventilação adequada.

Clientes conversam com atendente, em frente à balada irregular, no início da madrugada de sábado (22) no Pari (centro da capital paulista) - Ronny Santos/Folhapress

Lanchonete aberta até as 3h e balada no centro

Por volta da 1h20 de sábado, a reportagem chegou à praça Silvio Romero, no Tatuapé (zona leste), onde se deparou com 20 quiosques comercializando comida de rua para dezenas de frequentadores.

Duas lanchonetes também funcionavam perto da praça. Uma delas vendia bebidas e alimentos para clientes, incluindo crianças, e praticamente todos sem máscara. Um garçom afirmou que os atendimentos estavam previstos até por volta das 3h, contrariando o decreto estadual.

Outra lanchonete, em frente a esta primeira, atendia aos últimos consumidores por volta de 1h40. O local encerrava o expediente quase três horas após o horário máximo permitido. Todos os frequentadores também estavam sem máscaras de proteção.

E para os mais resistentes, ainda havia opção de festa na noite de São Paulo. Por volta das 2h20 o Agora esteve em frente à Love Story, tradicional reduto dos baladeiros no centro que esticam a noite até o início da manhã. Um funcionário sem máscara disse que a entrada custava R$ 120, dando direito a quatro bebidas nacionais.

Imagens compartilhadas pela própria Love Story em suas redes sociais mostram os clientes, sem máscara, consumindo bebida alcoólica e dançando em um ambiente fechado e sem ventilação. A última publicação da casa foi feita às 5h22.

Relaxamento perigoso

O médico infectologista Leonardo Weissmann afirmou que o longo tempo de quarentena, iniciado em março deste ano, aliado à perda do medo de se infectar pela Covid-19, são fatores que podem contribuir para que algumas pessoas passem a se arriscar em meio às aglomerações.

“A população respeitou o distanciamento social mais por causa do medo do novo, quando a Covid-19 surgiu. Mas com o passar dos meses, porém, veio o cansaço. Ao mesmo tempo as pessoas perderam o medo do vírus, algumas simplesmente apagaram da memória que ainda vivemos em meio a uma pandemia”, afirmou Weissmann, que é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

O especialista avalia como precipitada a flexibilização, feita, segundo ele, “sem critérios definidos”. Isso, aliado à perda do medo, pode resultar no aumento de casos de infecções pelo vírus, como já ocorre em algumas regiões do país, incluindo São Paulo. “Além de o jovem se infectar, ele leva o vírus para casa e pode transmiti-lo para pais e avós. Esse aumento de casos é fruto do relaxamento das medidas de prevenção”, avaliou.

Respostas

A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), afirmou fiscalizar diariamente estabelecimentos que excedem o horário permitido. As vistorias são feitas com o apoio da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e da Polícia Militar.

O governo municipal afirmou ter interditado, desde o início da quarentena, 1.284 comércios, dos quais 865 bares, restaurantes, lanchonetes e cafeterias, representando 67,3% do total.

Cada comércio, acrescentou a prefeitura, pagou multa de R$ 9.231,65. "A desinterdição dos espaços só ocorre após os responsáveis procurarem a subprefeitura da região", afirma.

No fim de semana, o governo municipal disse que os estabelecimentos da rua Cesário Mota Júnior cumpriram a norma vigente, mas não se posicionou sobre a aglomerações de jovens na via, como foi apurado pela reportagem.

Sobre a balada localizada na rua Aspicuelta, a gestão municipal afirmou que irá realizar uma fiscalização em toda a via, sem informar quando.

O mesmo tipo de ação será realizada, acrescentou, nas lanchonetes e quiosques flagrados atendendo ao público na madrugada de sábado no Tatuapé (zona leste).

Sobre o Templo Bar, na Mooca, e a choperia no Pari, a prefeitura afirmou não ter recebido denúncias formais.

A PM afirmou realizar operações em todo o estado para coibir aglomerações de pessoas, inclusive "para a formação de pancadões". A corporação diz prestar apoio aos órgãos municipais e à Vigilância Sanitária, responsáveis pelas fiscalizações, além de realizar ações para impedir o descumprimento de protocolos sanitários.

"Paralelamente, a PM realiza um trabalho de orientação ao público sobre as formas de prevenção ao novo coronavírus e a importância do isolamento social. Essa ação é feita por meio de alertas sonoros emitidos pelas viaturas em patrulhamento e, sempre que necessário, é intensificada", afirma trecho de nota.

A Love Story afirmou que de sexta-feira (20) para sábado (21) houve uma gravação de um videoclipe no local. "Vocês [reportagem] estão equivocados. Não podemos mandar nas pessoas que ficam na rua à frente da casa", diz trecho de mensagem enviada por e-mail.

A casa noturna afirmou ainda que seus eventos respeitam os protocolos sanitários "nas poucas vezes" em que abriram ao público. Em suas redes sociais, a Love Story publicou nesta terça-feira (24) fotos sobre cuidados de higiene no local.

Por meio da assessoria de imprensa, o Tempo Bar de Fé afirmou encerrar suas atividades "todos os dias" às 23h. A nota afirma que tanto a produção de pratos quanto pedidos de bebidas são encerrados às 22h. "Após o mesmo horário, os garçons instruem os nossos clientes a se dirigirem aos caixas para efetuarem os pagamentos de suas comandas", diz trecho de nota.

A reportagem enviou mensagem ao organizador do evento na rua Aspicuelta. Ele informou, sem se identificar, que o evento "estava encerrando" e que irá "tomar as providências" sobre a irregularidade, mas sem especificar quais e quando.

Os responsáveis pelas duas lanchonetes do Tatuapé não estavam nos estabelecimentos, segundo funcionários, nos momentos em que a reportagem os procurou. O responsável pela choperia do Pari também não foi localizado.

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