Eles não podem ir às urnas para escolher o futuro prefeito da capital paulista, mas observam com olhar estrangeiro e atento a tudo que poderia melhorar nas ruas do lugar onde optaram por viver. Imigrantes contaram à reportagem o que ainda causa espanto no dia a dia e quais os seus sonhos para a cidade.
As eleições mexeram com seus países recentemente, mas neste domingo (29) serão espectadores do pleito paulistano. Nem por isso, eles deixam de desejar que quem tome posse em janeiro, deixe um legado positivo à frente da maior cidade do hemisfério sul.
Já são 24 anos em São Paulo e o boliviano Antonio Andrade, 45, responsável pelo projeto Bolívia Cultural, ainda carrega consigo uma mesma imagem da capital paulista. "Uma mãe cinzenta, com coração colorido. Muitas construções, mas também muita diversidade, pessoas de todos os lugares", conta.
O gigantismo dessa "mãe cinzenta" e diversa não esconde aquilo que, para ele, é um dos principais problemas da cidade. "Vejo muito luxo nos Jardins [zona oeste], lojas maravilhosas, mas pessoas que trabalham lá não moram lá. Acho que deveria ser uma relação mais humana, não só pelo lado comercial, mas pelo prazer de estar lá", diz Andrade.
Além da desigualdade social, choca a existência da cracolândia. "Todo mundo vê, mas aos poucos não queremos mais ver. Chegar a esse ponto é uma desumanização que não podemos permitir", conta. Apesar de tudo, diz que se chateia quando ouve falarem mal de São Paulo. "Temos problemas para resolver."
Número de moradores de rua assusta
O professor de inglês Charles Kingsbury, 42, veio para a capital paulista há 10 anos e, hoje, mora na Vila Madalena (zona oeste). Antes, viveu em Atlanta, na Geórgia (EUA), e em outras cidades do planeta, como Paris.
Para ele, é inaceitável que pessoas vivam nas ruas. "Em Pinheiros, tem um cara que montou uma casa de 1 metro por 1,5 metro na calçada. Acho muito louco que ele continue lá. Na [rua] Teodoro Sampaio, a cada dia tem mais gente sentada pedindo dinheiro", diz."‘Tem que falar para a pessoa não morar na rua e oferecer um lugar para ir."
Kingsbury também lamenta a falta de segurança e se recorda do ano em que morou na República (região central). "Se via uma moto chegando à noite, eu me escondia atrás da árvore. Se tivesse, jogava uma bomba de fumaça e desaparecia, como um ninja", diz o americano.
Apesar dos problemas sociais e do meio urbano caótico, Kingsbury, que tem um filho brasileiro de 4 anos, gosta da interação com os paulistanos. "Lá [nos EUA], as trocas não são tão verdadeiras. São socialmente calculadas. Não tem uma graça legalzinha. Aqui, as pessoas são mais reais."
Chinês vê poucas mudanças
Diretor da Chinbra (Centro de Língua e Cultura Chinesa), Alexandre Qi, 58 anos, tem os olhos voltados para a infraestrutura urbana e compara as transformações ocorridas na capital paulista com a verdadeira revolução pela qual passou seu país de origem.
"Quando cheguei, a diferença era pouca. Quase 24 anos depois, São Paulo quase não mudou e a China é outra, totalmente diferente", diz Qi, que retorna todos os anos para seu país.
Além das grandes mudanças, ele se atenta ainda aos pequenos detalhes na paisagem urbana da capital paulista. "Lá na China, quem cuida da calçada não é o morador, mas as prefeituras. É tudo limpo e plano, tudo organizado e seguindo um mesmo padrão", diz.
Também não vê sentido na forma como é feito o tapa-buraco na cidade. "Será que tem alguma estratégia? Tem que usar material melhor, que dure pelo menos dois ou três anos. Isso não é falta de dinheiro, mas falta de controle."
As ruas tomadas por barracas e pessoas em situação de rua também chamam a atenção do imigrante chinês. Por isso, a miséria de parte da população é outro ponto que Qi destaca como algo que merece mais cuidado. "Na China, o governo combate a pobreza. Deixa viver em lugares mais pobres, mas com trabalho e dinheiro suficientes."
Novos imigrantes sonham com a regularização do trabalho
Representantes das novas ondas migratórias ainda lutam para se estabelecer na cidade e apontam a dificuldade para trabalhar com um dos problemas mais sérios de São Paulo. Haitianos e senegaleses, por exemplo, acabam encontrando no comércio informal, nas ruas, a única forma de sustento.
A haitiana Maculeuze Giustelome, 32 anos, chegou ao Brasil há quatro anos e meio e nos últimos dois anos tem vivido na capital paulista. "Quando cheguei tinha coisas mais baratas. Agora, não posso mais viver aqui, porque tudo é caro demais", diz. "Se ficar aqui em São Paulo, nunca vou ter uma casa para dormir, sempre vou pagar aluguel, nunca vou ter um negócio próprio", completa.
A grana para se sustentar vem das vendas como ambulante no Brás (região central). A haitiana conta que a repressão a quem vende produtos na rua é algo que precisa ser revisto. "Se tivesse para quem trabalhar, aí não teria problema. Mas trabalhamos na rua para comer, pagar aluguel. Sem trabalhar, como vamos viver? Aqui não tem só estrangeiro. Tem brasileiro também que não consegue emprego", diz.
O também ambulante haitiano Jorel Tutute, 41, está há um ano e quatro meses na capital e sonha com emprego para ter toda a família por perto, como qualquer imigrante italiano ou espanhol do século passado. "Quando tem mais trabalho é melhor para todo mundo. Preciso ter uma vida melhor para poder trazer minha mulher e meu filho", conta Tutute.
Para o senegalês Soley Exex, 32, há quatro anos em São Paulo, o trabalho nas ruas precisa ser organizado e reconhecido pela prefeitura. "Precisa regularizar o negócio dos camelôs, porque São Paulo é a cidade do comércio. Todo mundo trabalha com isso aqui", diz.
Imigração reflete desafios a serem enfrentados
Coordenadora do Observatório das Migrações em São Paulo, a professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Rosana Baeninger afirma que, embora pouco tratada na campanha eleitoral, a imigração traz desafios para quem assumir a prefeitura da capital paulista.
"O olhar dos imigrantes traz, em primeiro plano, o que nós da sociedade brasileira demoramos para enxergar. Eles veem uma cidade fragmentada e que exclui. Ela não inclui todos que nela habitam", afirma a especialista da Unicamp.
Segundo a professora da Unicamp, São Paulo é altamente globalizada, com forte atuação do capitalismo financeiro, e vive aquilo que acontece também em outras grandes cidades do planeta. "Essa visão heterogênea [a forma como cada imigrante vê a capital] reflete uma metrópole internacional e que no seu processo de urbanização reproduz o que acontece no mundo todo, que são espaços fragmentados", diz. Em resumo, a realidade vivida pelo norte-americano é totalmente diferente daquela do haitiano.
A professora explica que, mesmo sem direito a voto, os imigrantes buscam, de outras maneiras, participar da cidade onde vivem atualmente. "Justamente por não poderem ter a ativa participação política, eles se organizam em associações. Isso permite que se deem um sentido político de comunidade, não como grupo invisível', diz a professora.
Rosana afirma que, de forma geral, São Paulo será apenas cidade de passagem para imigrantes de países pobres. "Nem sempre é uma cidade que veem como última possibilidade. O destino deles, a vontade, é ir para o norte global", diz.
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