Reclamações por perturbação de sossego mais que dobram na pandemia em SP

Aumento de queixas na polícia entre janeiro e outubro deste ano foi de 117% em comparação com o período em 2019

São Paulo

A capital paulista viu dobrar o número de boletins de ocorrência por perturbação de sossego na capital paulista entre janeiro e outubro deste ano, na comparação com igual período de 2019. O aumento foi de 117%, passando de 896 para 1.947 registros agora, segundo dados exclusivos obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação.

A análise mês a mês permite afirmar que, logo após a chegada do coronavírus, explodiu o número de queixas registradas nas delegacias de polícia. Na comparação com 2019, o pico de aumento de boletins de ocorrência por perturbação de sossego se deu em agosto, mais que triplicando o número de registros em igual mês do ano passado (255 boletins, ante 70).

Em quase a metade dos casos (45%), o barulho que tanto causa transtorno aos vizinhos não vem do meio da rua ou de bares e baladas, mas de dentro de uma casa. Entre os dez bairros com mais gente que de dispôs a registrar o incômodo na Polícia Civil, três ficam na zona oeste, área mais rica da capital paulista. São eles Perdizes, Itaim Bibi e Pinheiros.

Outro dado que chama a atenção é que 4 em cada 10 boletins de ocorrência apontam manhã e tarde (das 6h às 18h) como período da perturbação.

Perturbação do sossego não é um problema que ocorre apenas em grandes aglomerações na periferia da cidade ou ao lado de bares e restaurantes que concentram as tradicionais noitadas paulistanas.

Em um prédio de alto padrão do Brooklin (zona sul), uma advogada de 40 anos se viu obrigada a fazer um boletim de ocorrência, em agosto, contra um vizinho que insistia em dar festas que varavam a madrugada. “Uma delas, no meio da semana, começou às 23h e terminou às 8h do dia seguinte. Você até tem uma tolerância, mas era no meio da semana e seguiu pela noite inteira”, conta. “Ele deve ter equipamento de som profissional, tipo do [DJ] Alok, coisa grande mesmo.”

Outro motivo levou a advogada a procurar a Polícia Civil. O vizinho barulhento já havia recebido mais de dez multas do condomínio. Mesmo assim, sem constrangimento, seguiu infernizando os apartamentos do prédio com algazarra na hora do sossego de todos. “Depois do B.O., a situação melhorou. Acho que ele percebeu a gravidade.”

Rua Southey, no Ipiranga (zona sul), onde um morador reclama há anos do barulho do vizinho; problema, ainda sem solução, foi parar na polícia - Zanone Fraissat/Folhapress

Os fins de semana têm sido um terror para o bolsista Raphael Moral, 29, já há alguns anos. Morador da rua Southey, no Ipiranga (zona sul), ele afirma que o barulho no vizinho, em uma casa geminada, começa na sexta e se prolonga até o domingo. Foram feitos vários boletins de ocorrência, mas até agora não houve solução.

Moral conta que só procurou resolver o problema com a ajuda policial após perceber que, com diálogo, não seria ouvido. “Já toquei a campainha moderadamente e ele nem me
atendeu. Sabe que está errado”, diz o bolsista.

“É algo que sempre fez, já de anos, desde que meu avô era vivo. Chegou a rolar processo, a mãe dele pediu para retirar e minha avó retirou”, afirma o bolsista.

Segundo Moral, a polícia já foi até o local “muitas vezes”, mas se vê incapaz de resolver o problema, porque o barulho recomeça assim que viram as costas. Ele diz que é preciso ter leis mais duras para quem tira o sossego dos outros. “Tem dia que não durmo. Já aconteceu de ir virado para o trabalho e pedir para voltar para casa, porque precisava descansar.”

07.12 Nas Ruas - Queixas Barulho
Arte Agora

Armando Luiz Rovai, professor de direito administrativo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que perturbação de sossego é caracterizada como barulho, algazarra, uso de instrumentos musicais de qualquer natureza que venha a incomodar terceiros.

Ele diz que as autoridades, seja prefeitura ou polícia, não são eficientes no combate ao problema. “Pode ser instaurado um inquérito, que pode dar ensejo a um processo. O problema todo é o movimento entre o cidadão ter o acesso ao poder público e o registro da perturbação”, afirma.

O programa de silêncio é aplicado também às obras, que devem seguir normas. “As construtoras, via de regra, fazem seus próprios horários de funcionamento. Ainda que se abra muitos chamados pelos vizinhos, pouca atuação há por parte do município. Há demora na resposta e, quando vem, é tardia”, diz Marcus Crespi, da Karpat Advogados.

Respostas

A Polícia Militar afirma que duas das ocorrências mais registradas pelo telefone 190 são perturbação de sossego e pancadão. “Com o advento da pandemia, as pessoas passaram a ficar mais tempo em casa, as crianças não estão indo para às escolas, profissionais em home office, o que resultou no aumento de ruídos e consequentemente aumento de acionamentos. De janeiro a setembro, na capital, a PM recebeu 110.976 chamados para esse tipo de ocorrência”, afirma.

A PM também diz que policiais pedem que o motivo seja cessado e que, caso a queixa permaneça, o reclamante e o causador deverão acompanhar os policiais ao distrito policial para registro do caso para posterior processo judicial. Se envolver algum tipo de estabelecimento com atividade econômica, a PM elabora notificação à prefeitura, a qual é responsável pela autuação administrativa.

Já a prefeitura, gestão bruno Covas (PSDB), afirma que o Psiu (Programa de Silêncio Urbano) fiscaliza emissão de ruídos, sob denúncia, dia e noite, em estabelecimentos como bares, residências e estabelecimentos. “Os pedidos são inseridos em uma programação, que é realizada posteriormente, de acordo com o dia e horário apontados na solicitação”, diz.

A administração municipal afirma que, de janeiro a setembro, o Psiu realizou 3.813 vistorias e 286 autuações. “Se as adaptações forem feitas no prazo determinado pela lei, a multa não é efetivada”, diz.

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