Moradores do bairro da Mooca (zona leste da cidade de São Paulo) entraram na Justiça para manter o espaço Horta das Flores, que fica na praça Alfredo Di Cunto, na Radial Leste, e já existe há 17 anos. O terreno foi cedido pela Prefeitura de São Paulo, gestão Ricardo Nunes (MDB), para uma PPP (Parceria Público-Privada) de habitação.
A parceria prevê a construção de mais de 22 mil unidades habitacionais na cidade de São Paulo, em 11 lotes já contratados, para pessoas com renda entre 2 e 5 salários mínimos. Entre eles está o espaço da horta na Mooca.
O coletivo, que gere o local e diz ter autorização municipal, afirma que foi surpreendido quando uma construtora apareceu há um ano para ver o espaço.
"Não fomos avisados do processo, soubemos apenas quando a construtora pediu para analisar o terreno. Não entendemos nada e pegou a gente de surpresa”, diz José Luiz Fazzio, um dos representantes do coletivo Horta das Flores.
A Cohab (Cia Metropolitana de Habitação de São Paulo), ligada à prefeitura, diz que a área está sendo ocupada de forma ilegal. (leia ao final deste texto)
O coletivo, então, recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar que impede a derrubada das árvores do local, e, em consequência, barra temporariamente a construção do empreendimento. A decisão é da juíza Paula Micheletto Cometti, da 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
Em nota, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente afirmou que aguarda um laudo a ser elaborado pelo Caex (Centro de Apoio Operacional à Execução) sobre os argumentos da prefeitura, que alegam os supostos benefícios que a obra trará ao meio ambiente. Esse documento será encaminhado para nova apreciação da juíza responsável pelo caso.
“É preciso deixar claro que somos a favor de moradias populares, mas não nesse terreno em que conduzimos um trabalho sustentável há muito tempo e que envolve os munícipes”, afirma Fazzio.
O espaço ao lado da Radial Leste, de quase 7.000 metros quadrados, conta com uma horta comunitária com mais de 200 árvores nativas e exóticas, uma grande estufa com verduras e legumes, um jardim de plantas medicinais e aromáticas, além de frutíferas como laranja, banana, acerola e abacate.
Segundo o coletivo, que cuida do local há cinco anos, a prefeitura ajuda com a luz e a água, e para o restante, o grupo faz uma vaquinha e compra o restante, como insumos e mudas.
“Nosso foco é educação ambiental, então a gente tem um calendário anual de palestras e cursos gratuitos. Além disso, as faculdades e os moradores vêm ajudar o projeto”, destaca o representante do coletivo.
Fazzio ainda diz que a tentou contato com a prefeitura quando a construtora apareceu no lugar para propor uma parceria ou algo do gênero, mas não conseguiu. Além disso, ele diz que indicou um outro terreno para a Cohab construir.
“Indicamos um terreno na própria Radial Leste com 6.000 metros quadrados e que fica até mais perto do metrô que o nosso, mas eles nem quiseram falar sobre isso”, diz.
Como o processo ainda está em andamento, o coletivo tem receio que tenha que sair do atual espaço e fazer o replantio da vegetação.
“É muito mais fácil fazer um prédio em outro terreno do que a gente tirar todas as árvores, sendo que muitas são nativas, e replantar. Nesse processo você perde muitas árvores. Não tem sentido nenhum”, destaca Fazzio.
A horta
A horta foi instalada em 2004 pela gestão Marta Suplicy, então prefeita da cidade pelo PT, em um terreno que tinha um galpão da prefeitura da capital paulista. O local, que abrigou uma estufa depois, contou com ações do programa Escola Estufa Lucy Montoro, com o objetivo de promover a segurança alimentar e nutricional na cidade.
Depois, o programa foi descontinuado e a gestão Gilberto Kassab, então no DEM, tentou vender o local para a construção de creches. Contudo, a proposta não avançou.
Já em 2015, o coletivo Horta das Flores assumiu a gestão do local voluntariamente com moradores do bairro e desde então promove a sustentabilidade.
“A praça já tem uma característica e uma herança de um lugar verde, de educação ambiental e de sustentabilidade”, destaca Regina Grilli, gestora ambiental do local.
Resposta
Em nota à reportagem, a Cohab informou que a PPP para concessão administrativa destinada à implantação de habitações de interesse social e mercado popular na cidade de São Paulo foi assinada em 2019.
“Não há outro terreno da municipalidade na região e desconhecemos tal argumento”, afirma a prefeitura na nota.
Além disso, a gestão diz que a área verde que existe atualmente será preservada em 60% e o restante será devidamente compensada via legislação específica da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente.
“A horta existente hoje no local também poderá ser transferida a uma outra nova área de igual espaço no próprio bairro ou nas imediações. Para tanto, a SEME e Subprefeitura da Mooca, através do seu representante do Governo Local já estão em tratativas com a entidade ocupante que explora a referida área no que couber para esta mudança", escreve.
Por fim, a prefeitura diz que a Horta das Flores pertence ao patrimônio do município de São Paulo e está desafetada por lei desde 2011, quando passou a ser bem dominial da cidade com zoneamento “ZC- Zona de Centralidade” .
“A área é pública e está sendo ocupada, salvo melhor juízo, ilegalmente pela coletividade Horta das Flores”, afirma a prefeitura.
José Luiz Fazzio, um dos representantes do coletivo Horta das Flores, contesta a última afirmação da gestão.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.