Você sabe o que faz um boteco ser eleito o melhor de São Paulo ou do Brasil? Para os cinco primeiros colocados da edição da capital paulista deste ano do concurso Comida Di Buteco, o segredo é o bom atendimento.
Alexandre Nunes é dono do atual bicampeão nacional e tetracampeão de São Paulo, o Bar do Jão. Para ele, é o atendimento que faz a diferença, cria uma atmosfera, transformando funcionários do bar e clientes em quase uma família.
“Você pode fazer o melhor petisco, mas se não der aquele atendimento, se o bar não estiver com aquela energia boa, se não estiver fluindo bem, com aquele pique de estar todo mundo remando para o mesmo lado e dando o melhor tratamento possível ao cliente, não consegue ter um resultado bom nem com o público nem com os jurados”.
O concurso, no qual o Bar do Jão virou estrela, foi criado em 2000, na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Hoje, além da edição nacional, ele também premia o melhor boteco em 21 cidades espalhadas por todas as regiões do Brasil.
O público e os jurados avaliam quatro categorias: petisco, que deve ser criado especialmente para a competição; atendimento; higiene e temperatura da bebida. Mas, apesar do regulamento apontar que o petisco é responsável por 70% do peso da nota, na prática, parece que o que conquista mesmo o público é o atendimento.
José Célio, o “Buda”, 50 anos, é dono da Toca do Buda, o estabelecimento que conquistou o segundo lugar na edição de São Paulo deste ano. Também para ele, o tratamento dado aos clientes merece toda dedicação e é a alma do negócio.
“Eu servi pessoalmente todos os petiscos que vendi. Apresentei na mesa, conversei com o cliente, até ensinei como ele deveria misturar os ingredientes para deixar o prato ainda melhor”, conta orgulhoso.
Opinião semelhante vem de quem revela nem sempre ter compartilhado essa visão.
“A gente sempre se dedica muito, mas às vezes acaba se distanciando um pouco do dia a dia do bar para resolver questões burocráticas. Mas neste ano, até por causa da pandemia, eu procurei ficar mais tempo aqui no restaurante e percebi que isso é bom para todos. Para o restaurante, para o cliente e para mim, porque a gente fica ligado nas coisas, conversa com as pessoas, entende o que elas querem. Essa troca é muito gratificante”, diz Josué Rolim, dono do Feijão do Norte, o quinto colocado da edição paulistana.
E esse tratamento de proximidade com o cliente muitas vezes vem das origens do bar. O Buteco da Vila, terceiro colocado no Comida Di Buteco São Paulo, por exemplo, surgiu da reunião de amigos que queriam um espaço para se reunir, conversar, tomar uma cerveja e ver jogos de futebol.
“O intuito era só receber os amigos. Era simples, colocamos uma churrasqueira e tinha a parte das bebidas. Mas aí, começou a vir muita gente e decidimos arrumar direitinho. Mas esse lado de tratar todos como amigos não ficou para trás. Está sempre todo mundo junto, as pessoas dizem que se sentem em casa. Como é um espaço pequeno, a gente acaba colocando pessoas que nunca se viram na mesma mesa, ficamos junto conversando e confraternizando”, conta um dos donos do Buteco, Danilo Di Pardo, 38 anos.
Assim, o tratamento atencioso e próximo ao cliente é somado a fatores como um belo e saboroso petisco. A edição deste ano trouxe como exigência a presença de raízes entre os ingredientes usados nas receitas.
O chefe Beto Simões, 52 anos, dono da Taberna Portucale, quarta colocada de São Paulo, afirmou que ficou feliz com o tema e que, com esses ingredientes, pôde fazer um petisco intrinsecamente ligado à sua história e às raízes de seu estabelecimento.
Esse lado de tratar todos como amigos não ficou para trás. Está sempre todo mundo junto, as pessoas dizem que se sentem em casa
“Quando eles falaram dessa exigência, eu já me senti à vontade porque os produtos de raiz já fazem parte da minha cultura gastronômica. Então, fiz um prato que antigamente se fazia muito em Portugal e coloquei o nome da minha avó porque me lembro muito dela fazendo esse tipo de receita. Fiz um prato que mistura minha raiz cultural com a raiz que eles exigiam. Juntei produtos como os legumes, o miolo do pão, que o português gosta muito, o azeite, o bacalhau e a azeitona”, explica o chefe sobre a criação do petisco Bacalhau VóVinda.
Assim como ele, o campeão Bar do Jão também escolheu usar bacalhau. Com o nome Lascas Madeirense da Vó Encarnação, o prato consiste em lascas de bacalhau feitas ao molho branco, com requeijão e parmesão, servidas em chips de mandioca e acompanhadas de molho pesto com gengibre e amêndoas.
Alexandre conta que escolheu o nome em homenagem à avó por parte de pai, o famoso João, que deu origem ao nome do bar. “Não tive a oportunidade de conhecê-la. Ela era lá de Portugal e morreu quando eu ainda era pequeno. Sabia que meu pai também ia gostar da homenagem. Ele já está com 79 anos, trabalha aqui no bar desde que abrimos em 1994. O dia que ele não vem, fica deprimido.”
Os competidores apontam que é necessário entender bem seu público para construir um prato que possa ajudar a conquistar o prêmio.
O chef Beto Simões, por exemplo, brinca dizendo que conseguiu “virar a classificação de cabeça para baixo” porque trouxe um prato que é a cara do seu público. Ele diz isso, porque, na única edição do Comida Di Buteco que a Taberna Portucale tinha participado até então, eles ficaram em 44º lugar. Agora, estão em 4º.
Já Josué Rolim, do Feijão do Norte, aponta que atendeu a um gosto popular na hora de criar o Porco na Nata. “Eu pesquisei bastante coisa, gosto muito de misturar ingredientes. Nossa especialidade são pratos típicos do Nordeste, então queria ir nesse sentido. Aí, decidi colocar cuscuz, porque todo mundo gosta de cuscuz. É engraçado, porque eu não sou muito fã, mas sei que as pessoas gostam muito, que ele faz parte da infância de muita gente. Então, inventei esse porco na nata recheado, que a base era cuscuz. E não é que fez sucesso?”
Zona Leste no topo
Três dos cinco botecos eleitos como os melhores de São Paulo no concurso deste ano são da zona leste, inclusive o campeão nacional, Bar do Jão, que fica na Penha. Também estão na região o Buteco da Vila, da Vila Matilde, e Taberna Portucale, do Tatuapé.
Os três estabelecimentos atraem público de todas as partes da cidade, mas também fazem muito sucesso com os moradores do bairro.
O administrador Thiago Marante, 40 anos, afirma ser frequentador assíduo do Buteco da Vila. “Eu moro aqui na Vila Matilde e o Buteco acabou virando nosso QG, nossa base aqui no bairro. Eu vou lá sempre. A gente se reúne com a galera, toma uma cerveja, assiste um futebol. Quando tem o Comida Di Buteco então fica ainda melhor, vem muita gente, gente que não conhecemos. Os meninos mesmo, os donos, fazem questão de ficar junto com a gente. Para mim, é uma maravilha”, afirma Marante.
A dentista Juliana Oliveira, 34 anos, é outra frequentadora assídua dos bares famosos da zona leste. Ela afirma que ficou orgulhosa de ver os bares da sua região recebendo prêmios no concurso.
“Eu adoro o Bar do Jão, vou sempre. Na Taberna costumo ir com a minha família porque temos origens portuguesas, minha mãe gosta de matar a saudade das comidas da terra dela. Eu participei, avaliei eles no concurso e estou muito feliz com o resultado. Eles merecem muito. A comida é maravilhosa, bebida sempre geladinha e o atendimento é nota mil”, diz Juliana.
A ligação com os bairros é profunda. Os próprios sócios do Buteco da Vila, por exemplo, nasceram e cresceram na região.
“Eu moro aqui na Vila Matilde. Um dia, em 2015, meu irmão passou de manhã indo trabalhar e viu que o ponto estava alugando. Era um açougue. Ligamos para imobiliária e decidimos arriscar”, conta Di Pardo, um dos sócios do Buteco.
Outro associado do local, Bruno Souza, de 40 anos, nasceu no Rio de Janeiro, mas hoje é vizinho do Buteco e um membro atuante. “Criamos um cardápio e um conceito de boteco com uma pegada jovem, com muita ao vivo. Como moradores do bairro, entendemos que faltava isso na Vila, porque tinha os bares clássicos, mas eles não atendiam essa demanda de público”.
Desafios e dificuldades durante a pandemia
Assim como a maioria dos comerciantes e donos de bares e restaurantes, Bar do Jão, Toca do Buda, Buteco da Vila, Taberna Portucale e Feijão do Norte passaram por momentos difíceis durante a pandemia.
Danilo Di Pardo conta que ele e os sócios ficaram com o Buteco da Vila fechado por seis meses. “Tínhamos fechado no carnaval e ido viajar. Quando voltamos, a pandemia começou. Tivemos que fechar tudo só que não tínhamos dinheiro no caixa para segurar. Não fizemos delivery. Conseguimos conversar com o proprietário do lugar e ele foi muito generoso, deixando que ficássemos pagando apenas 50% do aluguel enquanto o bar estava fechado. A sorte é que nós, os sócios, temos outras profissões, trabalhamos com outras coisas, então deu para pegar dinheiro desse outro lado para não fechar o bar para sempre”.
Segundo Helena Andrade, gestora de projetos do Sebrae-SP, a negociação entre proprietários e inquilinos foi recorrente nesse período.
“Notamos que isso aconteceu muito na Vila Madalena, por exemplo. Essa movimentação é ótima porque é muito melhor para o dono do imóvel aceitar receber 50% do valor do que, de repente, aquele estabelecimento fechar e ele ficar com um imóvel sem conseguir locar por causa da pandemia. Os dois lados ganham nessa negociação”, afirma a gestora.
Outro aspecto apontado pelos donos dos botecos do Top 5 do Comida Di Buteco em São Paulo, e que Helena Andrade aponta como um desafio que permeou uma grande parcela de estabelecimentos desta categoria, foi a adesão ao delivery. Antes da pandemia, nenhum deles trabalhava com esse recurso. Com as restrições exigindo que bares e restaurantes ficassem com as portas fechadas, o jeito foi se adaptar rapidamente à nova realidade.
“Esse foi um grande problema para muita gente, porque entrar para esse mundo do delivery requer planejamento, requer você traçar uma estratégia, muitos precisam tirar ou agregar produtos ao cardápio porque não é todo tipo de prato que chega na casa do consumidor com a qualidade que ele tem no salão”, explica Helena.
Alexandre Nunes, conta que o Bar do Jão fez a opção de não aderir aos aplicativos de entrega de comida por causa das altas taxas cobradas.
“Não fechamos em nenhum momento, trabalhamos seguindo as normas com o nosso delivery. Ficou uma operação na cozinha e eu entregando pessoalmente tudo. Os pedidos vinham pelas redes sociais. Eu não cadastrei o bar em nenhum aplicativo porque assim, dois meses antes da pandemia a taxa cobrada era tipo 9%, aí começou a pandemia e a taxa foi para 30%. Achei um absurdo”, afirma Nunes.
A Taberna Portucale e o Feijão do Norte aderiram aos aplicativos, mas, com a liberação para abertura de bares e restaurantes, o foco das duas casas voltou a ser o serviço no salão.
O bar comandado por Josué Rolim, chegou a demitir 11 dos seus 22 funcionários durante o período mais rigoroso da pandemia. No Buteco da Vila, Di Pardo teve que se despedir de 5 dos seus 8 colaboradores, o lado positivo é que ambos já conseguiram recontratar parte do efetivo com a retomada do movimento.
Já Buda, conta que tinha acabado de reformar o bar quando a pandemia começou. Ele também precisou se reinventar e aderir ao delivery. “Com as entregas consegui ir pagando meu aluguel, ir mantendo o bar. Ainda tem umas continhas para pagar, mas logo acaba. Sigo fazendo as entregas. Nossa avaliação é 4.9 no Ifood, O pessoal gosta da minha comida”, conta o dono da Toca do Buda.
“Serei o campeão de 2022, pode escrever!”
Nascido na Bahia, José Célio, o “Buda”, conta que veio para São Paulo com apenas dois anos e que o apelido surgiu quando era motorista de táxi no aeroporto de Congonhas.
“Os passageiros brincavam que eu parecia ou com o Mestre dos Magos ou com o Buda. Aí, acabou ficando Buda. Quando eu decidi montar o bar, pensei em colocar Bar do Buda, mas, na hora de registrar, o cara escreveu Toca do Buda. Tudo bem, acho que acabou dando ainda mais certo”.
Bem humorado e muito animado, Buda revela que a edição de 2021 do Comida Di Buteco foi a primeira que ele participou.
“Sou iniciante, calça branca, foi a minha primeira vez no concurso e já fui vice-campeão! Serei o campeão de 2022, pode escrever! Claro que não estou menosprezando os meus colegas, mas eu sei o trabalho que eu faço. Vou acertar uns detalhezinhos que nesse ano não deram certo, mas que serviram para eu tirar como experiência”, afirma Buda.
O dono da Toca do Buda conta ainda que pensou muito para desenvolver o prato que serviu no concurso e que usou a experiência que adquiriu durante a vida para escolher os ingredientes perfeitos.
“Eu fui taxista durante um bom tempo, frequentei muito boteco. Então pensei e cheguei à conclusão que tinha que fazer um petisco com coisas que tem em todo boteco, que combine. Por exemplo, coloquei um chips no prato porque você vai no boteco e sempre tem um chips de batata, mandioca, de alguma coisa! Carne seca, uma calabresa... sempre tem, é sagrado! Você vai no boteco e sempre encontra alguns creminhos, umas geleias e, claro, uma cachacinha”, explica Buda.
A combinação que ganhou o nome de Buda Arretado ou O Misturadinho fez sucesso. Segundo ele, as vendas não foram bem apenas durante o concurso. “Estou vendendo hoje mais petisco do que no concurso. As pessoas que vieram no durante o mês do concurso têm retornado e indicado para amigos. Além disso tem os que vêm porque viram na internet a nossa colocação boa”.
Comida Di Buteco 2021 – Edição São Paulo
1 – Bar do Jão
Lascas Madeirense da Vó Encarnação
- Lascas de bacalhau feitas ao molho branco, com requeijão e parmesão, servidas em chips de mandioca e molho pesto com gengibre e amêndoas
2 – Toca do Buda
Buda Arretado (O misturadinho)
- Misturadinho de carne seca desfiada com calabresa moída marinada no vinho, refogado com alho-poró e ervas finas, com creme de mandioca e requeijão. Acompanha farofa de cuscuz com bacon, pimenta biquinho e molho de pimenta dedo de moça, um shot de cachaça blend da casa e chips de batata doce
3 – Buteco da Vila
Deu Cupim na Mesa du Buteco
- Harumaki recheado de cupim desfiado com cream cheese, cenoura e alho-poró salteados na manteiga, servido com 3 molhos do Buteco: barbecue de beterraba defumada; geleia de laranja com gengibre e pimenta dedo de moça; maionese de alho-poró com Limão
4 – Taberna Portucale
Bacalhau VóVinda
- Combinação de miolo de pão de trigo com legumes marinados no azeite e lascas de bacalhau
5 – Feijão do Norte
Porco na nata
- Costelinha de porco com nata e ora-pro-nóbis sob uma base de cuscuz, finalizado com quiabo salteado
Comida Di Buteco 2021 – Edição Nacional
1 – Bar do Jão
Lascas Madeirense da Vó Encarnação
- Lascas de bacalhau feitas ao molho branco, com requeijão e parmesão, servidas em chips de mandioca e molho pesto com gengibre e amêndoas
2 – Buteco do Portuga (Rio de Janeiro)
Roupa Velha
- Bolinho de aipim recheado com roupa velha de bacalhau. Servido com molho de pimenta especial e molho pesto de azeitonas.
3 – Bar do Cidinho (São José do Rio Preto)
Costeleti de batata-doce
-
Massa de batata-doce recheada com costela e creme de milho, servida com molho de chimichurri.
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