Uma decisão judicial impede, temporariamente, a construção de uma estação de transbordo de lixo na região do Parque Anhanguera, localizado na zona norte de São Paulo, obra de responsabilidade da concessionária Loga (Logística Ambiental de São Paulo). Em caso de descumprimento da decisão, a multa diária estabelecida é de R$ 100 mil. Cabe recurso.
A Estação de Transbordo Anhanguera está prevista para ser erguida em parte de um terreno de 33 mil metros quadrados. Até o ano de 2006, a área abrigava grandes tanques de armazenamento de produtos químicos tais como óleo diesel, gasolina, álcool anidro e biodiesel. É o resíduo desses produtos que os moradores alegam ter contaminado o solo e portanto inviabilizar o empreendimento.
A obra estava prevista desde 2012, porém, só em agosto teve o aval da Cetesb (agência ambiental paulista) para iniciar as obras, previstas para durar um ano.
Dos 33 mil metros quadrados, 9 mil metros quadrados receberão galpões e vias internas por onde circularão os caminhões da coleta domiciliar. Eles descarregarão o lixo já compactado para ser transferido para carretas, e, de lá, para o aterro sanitário localizado em Caieiras (Grande SP), onde é depositado o lixo domiciliar da cidade de São Paulo. Em outros 7 mil metros quadrados do terreno está prevista a criação de uma área verde com um mirante.
A Loga afirma que apenas 200 metros quadrados estão contaminados. Esse trecho da área não será usada e já está em processo de remediação (recuperação e reabilitação para poder ser usada).
Os moradores defendem que a instalação da obra provocará prejuízos à saúde, com a infestação de pragas e vetores tais como pombos, ratos e baratas; além do mau cheiro e ruído dos caminhões de lixo indo e vindo para descarregar o lixo. Alegam ainda que parte do terreno está contaminada e existe uma nascente dentro da área onde a empresa quer instalar os galpões onde será feito o serviço de transferência do lixo.
Outra grande preocupação dos moradores da rua onde será instalada a estação de transbordo é em relação à desvalorização dos imóveis.
“Vai infestar de bicho e o cheiro será horrível. Não estou gostando nada disso. Vai desvalorizar a casa”, diz a aposentada Gisleine Paes Trigo, 69.
Gisleine mora desde os 12 anos de idade em uma casa que fica na frente de um dos portões de entrada do terreno onde a Loga construirá a estação de transbordo. Apesar de dizer que sabia, desde 2014, das intenções da empresa, ela também reclama que o tráfego de caminhões será intensificado na rua, já movimentada pela passagem de caminhões.
Entre as empresas que margeiam o terreno onde será construída a estação de transbordo estão um centro de distribuição do GPA, JBS, Quatá e Natura.
A vizinha de Gisleine, advogada Ivani Santiago, 55, que nasceu na casa onde mora, afirma que há tempos tenta alugar um galpão vizinho à sua casa, onde um dia funcionou uma confecção que era tocada por seu pai, já falecido.
Inicialmente ela conta que pediu R$ 4.000 de aluguel, porém, a pandemia do novo coronavírus, e agora, a obra do transbordo, fez com que ela baixasse o valor para R$ 2.500 na tentativa de conseguir locatários, até agora, sem sucesso. “Um pretendente a inquilino veio e desistiu dizendo que aqui haveria um lixão”, afirmou.
A ação
A ação civil pública assinada pelo promotor Luís Roberto Proença, da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, foi protocolada a partir de uma representação de uma associação de moradores denominada Amaspa (Associação de Moradores, Amigos e Simpatizantes do Parque Anhanguera). Além da Loga, figuram como parte da ação a Cetesb (agência ambiental paulista), e a Prefeitura de São Paulo.
O inquérito civil tramita desde 2014 na Promotoria. A denúncia formulada por Proença dá conta de que a Cetesb teria emitido as licenças ambientais mesmo sem ter levado em consideração uma análise de 2019 do CAEx (órgão técnico que assessora as promotorias com estudos, vistorias, pesquisas, análises e relatórios), dando conta de que o transbordo não poderia ser erguido ali devido aos impactos ambientais que provocaria.
Já a Prefeitura de São Paulo emitiu, em janeiro deste ano, um alvará para que a Loga pudesse executar a obra, sem também levar em consideração os alertas do MP, segundo a denúncia.
Mobilização
Presidente e uma das fundadoras da Amaspa, a bacharel em direito Catarina Campagne, 67, moradora do bairro há 32 anos, afirmou que desde 2014 vinha acompanhando o assunto. “A gente percebeu que se não transformasse em uma associação de bairros, não teria muita representatividade”, disse.
Criada há um ano, a Amaspa diz representar cerca de cem moradores da região. “Pedimos a ajuda de empresários para confecção das placas, faixas, panfletos e todos ajudaram”, afirma.
André Luiz Aquino Sousa, 47, dono da Capelli Comércio de Papéis, afirma que o principal receio é quanto ao mau cheiro. “Dizem que não haverá, porém, não estamos muito certos disso”, afirmou.
Uma das funcionárias da Capelli, a auxiliar de escritório Vanessa Teixeira, 32, diz que sua mãe mora a duas quadras de onde será a estação, local onde seu filho fica enquanto ela trabalha. “Quem vai passear ou brincar numa área verde com lixo do lado?”, questiona.
O comerciante José Pereira dos Santos, 63, dono do bar Zé Bahia há oito anos e morador da região há mais de 30 anos, ainda não tem uma decisão formada a respeito, embora tenha permitido que a associação pendurasse uma faixa em seu estabelecimento. “Eles [associação] pediram para botar a faixa e eu deixei. Na verdade eu não sei se vai ser bom ou ruim. Se tiver movimento, vai ser ótimo. Mas eu não sei se isso aí [transbordo] é o ponto ideal”, afirma.
Resposta
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou não ter sido notificada a respeito.
A Cetesb informou que aprovou a obra após analisar documentos apresentados pela Loga, tais como estudo de passivo ambiental e plano de intervenção para reutilização da área. A agência informou também que, em 2019, já prestou esclarecimentos ao Ministério Público Estadual a respeito do assunto.
A Loga informou na tarde desta quarta-feira (13) que ainda não havia tomado conhecimento oficial sobre a existência do processo e seus desdobramentos. “Quando acionada, apresentará os seus esclarecimentos e tomará as medidas cabíveis”, informa a nota enviada pela assessoria de imprensa da empresa.
Em entrevista concedida no início deste mês de outubro, o coordenador de destinação da Loga, Urias Rodrigues Soares Neto, confirmou a existência do ponto de contaminação. Entretanto, ele afirmou que são apenas 200 metros quadrados dentro de uma área maior, de cerca de 16 mil metros quadrados, que não serão utilizados por ora.
“A área não tem previsão de receber nenhum equipamento”, afirmou.
Ele não soube precisar quando o ponto de contaminação estará completamente sanado.
Soares Neto disse ainda que há muitos anos têm sido feitos contatos com a comunidade do entorno. “Isso nunca foi negligenciado, estamos abertos a ouvi-las, nunca foram excluídas”, diz.
Prova disso, segundo diz, é a criação da área verde, não prevista no projeto inicial mas que foi incorporada após as audiências públicas.
Ele explica que, em média, a estação de transbordo receberá 15 caminhões por hora. Para dar conta de toda a demanda de lixo, o trabalho no local será feito durante 24 horas. Ele afirmou que o trajeto dos caminhões não passará em frente das casas, e nem pelas vias internas do bairro.
“Vai incomodar? Eu acredito que com o volume que nós temos os veículos e faremos de tudo possível para não sermos notados”, disse.
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