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CPI dos Aplicativos apura se falta de repasse de dados provoca multas a motoristas

Segundo a Câmara Municipal de SP, desde 2019 cerca de 2.500 carros foram apreendidos; comissão investiga possível falha das empresas

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Mariane Ribeiro
São Paulo

A CPI dos Aplicativos da Câmara Municipal investiga a falta de repasse de dados e de documentações de carros e motoristas por parte das empresas que operam na cidade de São Paulo à prefeitura, o que tem resultado em multas para os condutores e apreensões de veículos desde 2019.

Segundo os números passados pelo diretor do DTP (Departamento de Transporte Público), Roberto Cimatti, à comissão parlamentar de inquérito, 81 carros foram apreendidos em 2021 por causa de inconsistências cadastrais, sendo sido 51 só no mês de setembro. Outros 130 motoristas autuados.

Em 2020, os registros foram menores, e, segundo a CPI, como reflexo da pandemia, com 9 apreensões e 11 autuações. Porém, o número de motoristas que enfrentaram problemas em 2019 chama a atenção. Foram 2.310 carros apreendidos e 2.360 atuações. E muitos deles arrastam seus casos até os dias de hoje.

Ao todo, segundo dados levantados pela CPI, cerca de 2.500 de motoristas enfrentaram ou ainda tiveram problemas como o do Justiniano desde 2019.

As empresas Uber e 99, que operam na capital paulista, afirmam que enviam dados dos motoristas e dos veículos à prefeitura.

Motorista de transporte por aplicativo na cidade de São Paulo; CPI da Câmara Municipal apura se empresas que operam no setor deixam de enviar informações dos condutores e dos veículos - Karime Xavier- 29.mar.20/Folhapress

O motorista Rodney Justiniano, 51 anos, é um dos que reclama da falta de informação. Ele afirma ter comprado um carro usado em julho de 2019 e, junto com a mulher, Daniella Rita de Trindade, 46, fez a transferência da documentação do veículo, a vistoria e todos os trâmites necessários para cadastrar o carro no aplicativo Uber para começar a trabalhar.

"No dia 29 de agosto de 2019, eu estava pegando um passageiro no aeroporto de Congonhas quando o DTP me parou e apreendeu o carro", afirma Justiniano.

Segundo ele, o agente de trânsito afirmou que o veículo estava irregular porque constava no sistema que ele não teria feito a inspeção veicular determinada na Resolução Nº 21 do CMUV (Comitê Municipal de Uso do Viário), apesar de ele dizer que o carro havia sido vistoriado dias antes.

O carro de Justiniano foi levado para o pátio, de onde foi retirado por Daniella no dia seguinte, mediante pagamento de taxas, que somadas chegaram no valor de R$ 893,18. No mesmo dia, o casal teve de assinar a notificação de uma multa no valor de R$ 5.100 por praticar atividade de transporte individual de passageiros sem a devida autorização.

"Nós tínhamos acabado de comprar o carro, de regularizar a documentação e passar tudo para a Uber, e ninguém nos avisou que precisaria de uma outra vistoria. Para mim, estava tudo certo porque o aplicativo confirmou o cadastro e eu estava trabalhando normalmente. Quando tem algo irregular eles avisam, bloqueiam a gente para pegar corrida", afirma Justiniano.

Daniella diz que o casal realizou nova vistoria no carro na semana seguinte à apreensão e que no local encontrou diversos motoristas com o mesmo problema. "Passamos o dia todo no Centro de Engenharia de Trânsito para fazer o procedimento porque estava cheio de motoristas com o mesmo problema e o que se comentava lá é que cerca de 20 carros estavam sendo apreendidos por dia", diz.

O casal entrou com recurso na prefeitura em 18 de setembro daquele ano, mas não teve seu pedido atendido, mesmo com a publicação cinco dias antes de uma liminar que desobrigava a apresentação de inspeção veicular para os carros que atendem por aplicativo.

O motorista afirma que entrou em contato com a Uber diversas vezes por mensagem e por telefone, mas não obteve resposta ou ajuda. "Agora recebemos uma notificação dizendo que vai para dívida ativa do município, mas não temos como pagar essa multa", diz Justiniano.

Queda de braço

Para o presidente do Sattesp (Sindicato dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo), Leandro da Cruz Medeiros, os motoristas estão no meio de uma queda de braço entre os aplicativos e a prefeitura.

"As plataformas não têm entregado as documentações corretas à prefeitura e, infelizmente, em vez de ela [administração municipal] ir para cima das empresas, tem punido os motoristas que, na maioria das vezes, nem sabe o que está acontecendo direito", afirma.

Medeiros relata que o sindicato tem tentado ajudar os motoristas a resolver problemas, inclusive, entrando com ações na Justiça contra os aplicativos.

O tema tem sido tratado na CPI dos Aplicativos junto a diversas questões que visam verificar o cumprimento ou não das normas estipuladas para a operação de aplicativos de transporte na capital.

Segundo o presidente da CPI, vereador Adilson Amadeu (DEM), os depoimentos ouvidos até o momento indicam para negligência das chamadas OTTCs (Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciado), como são chamados os aplicativos pela prefeitura, para com seus motoristas e com o compromisso firmado com a gestão municipal.

"Pelo que temos escutado, a responsabilidade ficou toda nas mãos das OTTCs, que têm passado apenas as informações que eles querem para a Secretaria [Municipal] da Fazenda, não têm recolhido o devido por quilômetro rodado e pior, não têm dado resguardo para os parceiros que trabalham para elas, porque são os motoristas que estão sofrendo com a fiscalização", diz o parlamentar.

O vereador afirma que é difícil saber quantos motoristas estão com cadastros defasados. "Como elas [empresas] não passam as informações corretamente, a prefeitura só descobre o problema quando a pessoa é pega pelo DTP.

A CPI já ouviu um representante do Departamento de Transporte Público, o secretário executivo da CMUV,, Felipe Scigliano Pereira, uma procuradora do município, um auditor fiscal da Secretária Municipal da Fazenda, o ex-presidente da SP Negócios Rodrigo Pirajá Wienskoski, que esteve à frente do processo de modelagem e regulação das atividades das empresas por aplicativos e deve ouvir no próximo mês os representantes da Uber e da 99.

Respostas

Questionada, a Prefeitura de São Paulo afirmou, por meio da CMUV (Comitê Municipal de Uso do Viário), que a regulamentação do transporte de passageiros por aplicativo vigente na cidade tem como objetivo garantir a segurança dos usuários e dos próprios motoristas.

Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), "a regulamentação estabelece que é responsabilidade das operadoras de transporte de passageiros por aplicativo receber e armazenar toda documentação exigida por lei dos condutores e veículos cadastrados nas plataformas, garantindo que estejam aptos a prestar o serviço". Também afirma que essas informações precisam ser compartilhadas com a prefeitura e que ficam armazenadas em um sistema com ambiente seguro eletrônico.

Sobre o caso do motorista Rodney Justiniano, a prefeitura afirmou apenas que "o Departamento de Transportes Públicos constatou que o veículo constava no sistema com a falta de inspeção veicular e houve a apreensão do automóvel e a autuação por realizar o transporte individual de passageiros de forma irregular". E complementou dizendo que, apesar de hoje estar em vigor um liminar que desobriga a apresentação da inspeção, "na data da apreensão, a comprovação da vistoria veicular era obrigatória de acordo com a legislação vigente".

Já a Uber disse ao Agora que o caso de Justiniano "já teve a sua situação regularizada perante a prefeitura", mas não respondeu se não auxiliou o motorista na época ou avisou que precisava de uma nova vistoria.

A empresa ainda disse que "compartilha dados com o município de São Paulo em conformidade com a regulação local e respeitando todos os preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados para fornecimento de informações a entes da administração pública" e que "alguns dos dados são compartilhados com o município diariamente, inclusive".

A Uber afirmou que para os dados de veículos e de motoristas estarem regularizados junto à administração municipal, "é necessário que o credenciamento seja enviado por todas as plataformas que compartilham dados com a prefeitura", não apenas pela empresa.

Procurada, a 99 preferiu se manifestar por meio de nota enviada pela Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia).

Segundo ela, as plataformas associadas à Amobitec seguem abertas ao diálogo com a administração de São Paulo para construir uma solução que seja benéfica para a mobilidade na cidade.

A associação afirmou que "as empresas reiteram que realizam frequentemente o compartilhamento de dados de veículos e motoristas com a Prefeitura de São Paulo, garantindo aos motoristas parceiros o direito de gerar renda por meio das plataformas e dos usuários escolherem como desejam se locomover pela cidade com segurança".

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