Confira o que muda para o trabalhador na crise do coronavírus

Patrão vai poder reduzir jornada e salário, suspender contratos, deixar de pagar adicionais e adiantar férias e feriados

São Paulo

A crise provocada pelo coronavírus no país pode ampliar o número de pessoas com queda brusca na renda nas próximas semanas.

O motivo é que a medida provisória 936, publicada pelo governo em 1º de abril, permite aos patrões reduzir a jornada de trabalho e o salário na mesma proporção. A MP foi aprovada pelo Congresso, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro e virou lei.

A regra, que já está valendo, também autoriza a suspensão dos contratos sem obrigação de pagamento de salário para empresas com até R$ 4,8 milhões de faturamento em 2019. Companhias maiores devem pagar 30% do valor do salário.

O presidente Jair Bolsonaro e ministros do governo, todos usando máscara de proteção no rosto, durante coletiva de imprensa para falar sobre a crise do coronavirus - Pedro Ladeira - 18.mar.2020/Folhapress

Para compensar as perdas, o governo libera uma ajuda de custo ao trabalhador, que tem como base o valor de seguro-desemprego ao qual ele teria direito se fosse demitido. Segundo Bruno Bianco, secretário de Previdência e Trabalho, a intenção é preservar empregos no país.

O patrão que utilizar uma das duas medidas deve manter o emprego do funcionário pelo dobro do período que durar a redução ou a suspensão. Se demitir, pagará uma indenização ao profissional.

O acordo pode ser individual ou coletivo, o que tem gerado polêmica. "A Constituição fala que há direito à irredutibilidade do salário, a não ser por negociação com o sindicato. Parte do Judiciário entende que é preciso respeitar a Constituição e parte entende que hoje estamos vivendo uma situação de emergência sem precedente e as regras poderiam ser flexibilizadas," diz Mariza Machado, advogada trabalhista da IOB.

Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, afirma que o trabalhador que receber um acordo individual com o qual não concorda pode recusá-lo. O risco é ser demitido, mas não seria por justa causa e o profissional teria direito a FGTS e seguro-desemprego. No entanto, é preciso fazer os cálculos do que é mais vantajoso para não se dar mal.

Rafael Borges, do Felsberg Advogados, diz que não só o empregado deve ter cuidados, mas também o empregador que vai propor mudanças. "É preciso verificar a real necessidade dessas medidas. E tomar a cautela de fazer acordo coletivo", afirma ele.

Férias e feriados

A medida provisória 927, de 22 de março, permite outras alterações no contrato entre patrão e empregado. Antecipar férias, mesmo que o profissional não tenha período aquisitivo, além da antecipação de feriados não religiosos também são possibilidades.

Outra mudança na rotina dos trabalhadores diz respeito ao home office. A MP afirma que o patrão pode instituir o regime de trabalho a distância, em acordo direto com o empregado, e não é obrigado a arcar com os equipamentos que ele usa, nem com luz ou conta de telefone.

Quando há o home office, o patrão pode deixar de pagar adicionais, como de insalubridade e periculosidade, e, se der férias, pode cortar os vales refeição e alimentação. Vale-transporte no home office não também é pago.

No caso do FGTS, o trabalhador sai ainda mais prejudicado. O patrão poderá ficar sem depositar os 8% sobre o salário mensal por três meses. Depois, vai pagar os valores, mas sem juros e correções.

A MP definia que quem contrai coronavírus no trabalho recebe auxílio-doença comum, sem estabilidade ao voltar da quarentena. No entanto, decisão do Supremo derrubou essa regra e, agora, quem pegar a doença no trabalho pode receber o tipo de auxílio que garante estabilidade futura no trabalho por 12 meses após o retorno às atividades.

Centrais criticam medidas

As centrais sindicais criticaram duramente as MPs. No caso da 927, que trazia artigo com a possibilidade de cortar jornada e salário, sem nenhuma contrapartida do governo, as críticas foram tantas que o presidente Jair Bolsonaro derrubou o artigo.

No caso da MP 936, CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB afirmam que é preciso haver negociação coletiva em qualquer tipo de acordo que se queira fazer, ou seja, o patrão deve negociar com os sindicatos e nunca diretamente com o trabalhador.

Os sindicalistas devem levar propostas aos parlamentares, mas já adiantam que, além dos acordos coletivos, vão insistir na estabilidade de 180 dias para todos os trabalhadores no pagamento de 100% do valor do salário como forma de manter o poder de compra e, consequentemente, fomentar a economia.

"Desde já orientamos a todos trabalhadores a não aceitarem acordos individuais e procurarem seus sindicatos", diz nota enviada pelas centrais.

Corte de jornada e salário | Seus direitos

Entenda as alterações na lei

Como funciona o corte de jornada e salário

  • Haverá uma redução proporcional nas horas de trabalho e no salário
  • Este corte poderia ser por até 90 dias, mas lei aprovada no Congresso garante ampliação. Com isso, o período poderá chegar a quatro meses
  • O trabalhador tem direito à estabilidade pelo dobro do período em que a medida estiver em vigor
  • Haverá ajuda compensatória do governo

Quanto pode-se cortar de salário e jornada

  • O corte poderá ser de 25%, 50% ou 70%
  • O governo paga o mesmo percentual sobre o seguro-desemprego a que o profissional teria direito

O que é a suspensão do contrato de trabalho

Pagamento a quem tiver o contrato suspenso

  • O patrão não é obrigado a pagar o salário nem os encargos como INSS e FGTS
  • É possível negociar uma ajuda, que será como uma indenização
  • Além disso, o governo vai pagar um auxílio, que será de 100% do valor a que o trabalhador teria direito de seguro-desemprego para empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões
  • Empresas maiores devem arcar com 30% do salário e o governo paga ajuda de 70% do valor do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito

Quem pode ter redução de salário ou suspensão do contrato

  • Todos os trabalhadores, incluindo empregados domésticos, funcionários de ONGs (Organizações Não Governamentais) e profissionais contratados por igrejas

Quem ficou de fora da medida

  • Servidores públicos, funcionários de empresas públicas, profissionais de áreas consideradas essenciais como saúde e segurança, por exemplo
  • Também não entram trabalhadores que estão afastados, quem está recebendo auxílio-doença e mães que tiveram bebês e estão de licença-maternidade

Como é a negociação do patrão com o empregado?

Pagamento não é seguro-desemprego

  • O benefício a ser pago aos trabalhadores que tiverem jornada e salário reduzidos ou contratos suspensos não é o seguro-desemprego
  • Para pagar o valor, o governo vai calcular uma média para saber quanto o trabalhador teria direito de seguro-desemprego caso fosse demitido
  • Sobre esta média será pago o percentual correspondente à redução de jornada daquele funcionário
  • O valor máximo que se pode receber é de R$ 1.813,03, que é 100% do seguro-desemprego
  • Se, no futuro, o trabalhador for demitido, ele terá direito de acessar o seu seguro-desemprego normalmente

Trabalhador pode não aceitar o acordo

  • O trabalhador que não quiser o acordo individual proposto pelo patrão pode falar não
  • Mas corre o risco de ser demitido sem justa causa
  • Neste caso, tem direito a seguro-desemprego, FGTS e mais 40% de multa sobre o saldo do Fundo de Garantia

Demissão no período de estabilidade

  • O patrão não pode demitir o funcionário enquanto durar o período de estabilidade, que é o dobro do tempo acordado para corte de jornada e salário ou para suspensão do contrato
  • Se demitir, pagará indenização

Quantos podem ser atingidos

  • Ao todo, 24,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada poderão ter redução de jornada e salário ou suspensão dos contratos
  • Em contrapartida, terão estabilidade de emprego

Forma de pagamento dos valores

  • A ajuda do governo será paga na conta em que o trabalhador recebe o salário da empresa
  • Para isso, o patrão cadastrará os acordos e indicará a conta dos funcionários atingidos por meio de plataforma online, já criada, mas que será adaptada pelo governo

Trabalhador terá INSS menor ou ficará sem contribuição

  • Os trabalhadores com jornada e salário menor terão INSS e FGTS sobre um salário reduzido
  • Neste caso, poderão ser prejudicados na aposentadoria, por isso, será preciso complementar a contribuição
  • Para quem tem o contrato de trabalho suspenso, o problema é maior, pois o patrão não pagará estes encargos
  • O trabalhador terá de arcar com seu próprio INSS para não ter "buracos" nas contribuições

Auxílio-doença é mantido para quem tem qualidade de segurado

  • O trabalhador que estiver com contrato suspenso e ainda mantiver a qualidade de segurado terá direito ao auxílio-doença caso precise

Benefícios devem ser pagos, mas adicionais podem ser cortados

  • Benefícios como plano de saúde e vales alimentação e refeição devem continuar sendo pagos em qualquer situação
  • Quem está em home office não recebe vale-transporte nem adicionais de periculosidade e insalubridade, entre outros
  • O vale-refeição pode ser cortado nos casos dos trabalhadores que são colocados em férias

Comissões ficam de fora do acordo e salário pode cair mais

  • A redução do salário pode ser ainda maior para trabalhadores que recebem salário-base mais comissão
  • Isso porque o patrão pode cortar as comissões, como no caso dos vendedores, que recebem por vendas, e negociar redução de jornada e salário apenas sobre o salário-base
  • Apenas nos casos em que o comissionamento integra o salário final o cálculo da redução é sobre toda a remuneração habitual

Trabalhador CLT que também tem CNPJ recebe auxílio

  • Os trabalhadores celetistas, mas que têm alguma empresa aberta em seu nome podem entrar no programa de redução de jornada e salário
  • Neste caso, também recebem ajuda do governo

Fontes: medida provisória 936, CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), Constituição Federal, Bruno Bianco, secretário de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, Rafael Borges, advogado trabalhista do Felsberg Advogados, Mariza Machado, advogada trabalhista e analista da IOB, Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara Advogado, Letícia Ribeiro, sócia e líder do grupo Trabalhista do Trench Rossi Watanabe, e Larissa Salgado, sócia do escritório Silveiro Advogados, especialista em direito do trabalho

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