As regras estabelecidas pela Prefeitura de São Paulo para permitir o retorno dos ambulantes legalizados podem até fazer sentido no papel, mas são ignoradas pela realidade das ruas. A reportagem esteve na 25 de Março e no Brás (região central), nesta terça-feira (21), e viu que as normas para manter o mínimo distanciamento e proteger vendedores e clientes são impossíveis de serem aplicadas na prática.
Qualquer paulistano sabe que a rua 25 de Março é sinônimo de aglomeração. Mas, para a gestão Bruno Covas (PSDB), é razoável determinar um distanciamento de 1,5 metro, em plena calçada, ao redor das barracas de ambulantes legalizados.
“Não adianta nem passar álcool em gel. Não tem como. O espaço é pequeno para os camelôs”, falou a motorista de van escolar Gisele Simões Moreira Gabriel, 37.
Além de clientes, calçadas da 25 e do Brás estão abarrotadas de ambulantes irregulares, que já trabalhavam normalmente. Por si só, causando aglomeração. Com 30 anos de rua, o ambulante José Airton dos Santos, 53, tenta se adaptar no Brás.
“Qualquer meio metro em volta da banca já ajuda”, afirmou. O receio é de que seja impedido de trabalhar novamente. “Fiquei quatro meses parado e não é fácil. Sou pai de família.”
A faxineira Telma Santos, 55, passeava nesta terça-feira na rua Oriente, no Brás (região central), e se mostrou indignada com as regras que, entre outras coisas, determinam que o cliente não pode tocar o tecido de uma roupa.
“Como você vai pagar pela mercadoria sem pegar na mão? Não existe isso”, disse. Ela também se divertiu ao comentar a norma que determina um isolamento de 1,5 metro ao redor da banca e filas com distância de 2 metros entre cada freguês. “Só se aumentar a calçada, daí carro não vai passar. Fala para eles [prefeitura] que aqui é o Brás, é do povão”, disse.
Camelôs se aglomeram, mas mostram novidades
Mesmo provocando aglomeração, camelôs irregulares apresentam novidades no combate ao coronavírus. Além de máscaras de todos os tipos, eles vendem uma tira ajustável de silicone que já faz sucesso entre a clientela e promete tirar o desconforto do elástico atrás da orelha. Sai uma por R$ 5, três por R$ 10.
“Vamos ver se vai ajudar. Vou comprar para testar”, afirmou a secretária Eva Silva, 53 anos, com seis peças na mão. Ela estava acompanhada da mãe, a aposentada Maria Margarida Silva, 80, que contraria recomendações ao frequentar a 25 de Março. “Não tenho medo de nada. A gente tem que enfrentar a vida”, disse.
Banca exemplar cria estrutura de loja com proteção na 25 de março
Entre todas as bancas visitadas pela reportagem na região central, apenas uma se aproximou do cenário ideal planejado pela prefeitura. Cercado por correntes de plástico, com papelão recobrindo a calçada e vendedoras com máscara e faceshield, o ponto na esquina da rua 25 de Março com a ladeira da Constituição destoou do restante.
“O meu patrão foi à reunião e falaram como teria que ser para voltar. Ele mandou comprar os tripés para não ter aproximação, passar álcool em gel toda hora, usar máscara, tudo”, diz Joyce Augusto Ozeldi, 25 anos.
Mesmo cuidadosa, Joyce se preocupa ao perceber que os demais ambulantes não têm conseguido adotar as medidas de segurança. “É ruim para a gente mesmo, porque se fechar de novo vai ser por nossa culpa”, conta.
Toda a parafernália ao redor da banca e os equipamentos de proteção de Joyce não convenceram a empresária Alessandra Bueno, 34.
“Só de estar aqui você já corre risco. A pessoa vem sabendo, não dá para falar que não. Estou aqui porque preciso comprar algumas coisas, mas tenho a consciência do que pode acontecer”, conta a empresária. “É muita aglomeração, muita gente na calçada.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.