Pandemia faz multiplicar o número de psicólogos que atendem online

Quantidade de profissionais que pediu autorização para psicoterapia virtual triplicou no ano passado, segundo conselho

Martha Alves
São Paulo

O número de psicólogos que pediram autorização ao CFP (Conselho Federal de Psicologia) para realização de atendimento online mais que triplicou no Brasil desde o início da pandemia do novo coronavírus.

Entre e março e dezembro de 2020, o CFP registrou 99.100 pedidos de psicólogos para realizar atendimento remoto no país por causa dos protocolos de distanciamento social. Para se ter ideia do volume de solicitações, antes da pandemia o conselho tinha 30.677 profissionais autorizados para o serviço remoto.

A presidente do conselho, Ana Sandra Fernandes, afirma que a pandemia provocou alta no número de casos de adoecimento mental. “Os reflexos vão permanecer por muito mais tempo que 2021. A gente precisa cuidar melhor da pauta da saúde mental, com investimentos públicos”, diz.

Para atender a demanda de cadastros de psicólogos para psicoterapia online, o CFP desenvolveu um formulário para simplificar e agilizar o processo. Com isso, conseguiu flexibilizar essa forma de atendimento e evitar a descontinuidade da assistência à população.

Segundo Ana, antes da pandemia o conselho levava de 30 a 40 dias para analisar e aprovar os procedimentos para atendimentos online. “Todos os cadastrados são analisados. Só mudou que, enquanto é analisado, ele continua atendendo. Ele precisa informar a plataforma que vai utilizar e não pode usar outra que não tenha incluído no cadastro”, explica.

Apesar da grande procura por terapia remota, Ana não acredita que isso signifique o fim do modelo presencial. Ela considera que as dificuldades do virtual não são diferentes do presencial e ambos precisam ser feitos preconizando todos os princípios da profissão, como ética e sigilo.

“A gente vai ter que aprender a lidar com ela [terapia online]. Quando passar a pandemia, ela vai ser uma possibilidade”, disse.

A Vittude, plataforma de psicoterapia virtual, registrou um aumento de 500% nos atendimentos desde o início da pandemia no país.

A CEO da empresa, Tatiana Pimenta, disse que o convênio com clientes corporativos pulou de 20 para 70. Atualmente, a plataforma possui cerca de 20 mil pessoas fazendo terapia online e outras 12 mil no sistema presencial, que são atendidas por um dos quase 7 mil psicólogos cadastrados.

Para Tatiana, a pandemia deixou mais perceptível a necessidade de as pessoas cuidarem da saúde mental. Segundo ela, muitas foram expostas a excesso de notícias, perderam familiares e tiveram que lidar com o luto causado pela Covid-19.

De olho na demanda, Tatiana lançou há seis meses uma ferramenta que utiliza a inteligência artificial para proporcionar o melhor psicólogo para o perfil do paciente com base nas queixas apresentadas.

Segundo ela, os principais problemas detectados foram ansiedade, fim de relacionamentos amorosos, depressão, insônia e esgotamento emocional. “A inteligência artificial vai buscar entre os psicólogos quem tem similaridade e mais experiência naquele problema”, explica.

O empresário Marcelo Paez, 34 anos, que faz consultas online com psicólogo. Ele elogia as terapias remotas - Rivaldo Gomes/Folhapress

O empresário Marcelo Paez, 34 anos, que faz terapia há quase três anos por causa da ansiedade, é um dos pacientes que trocou a psicoterapia presencial pela virtual. Ele gostou tanto da praticidade que não pretende voltar para o antigo modelo após o fim do isolamento social.

Paez, que trabalha com tecnologia, admitiu que, no começo, tinha dúvidas se as sessões virtuais dariam certo. O medo dele era de perder a “conexão” com o terapeuta a distância. Hoje, porém, o empresário elogia o atendimento remoto. “Me ajudou demais. Às vezes ficava ansioso para chegar o dia da terapia”, disse.

A relações públicas Indaiara Sassaki, 30, fez a sua primeira sessão de terapia no meio da pandemia e de forma remota. Ela buscou ajuda após sentir ansiedade, insegurança e medo em relação ao futuro.

Indaiara estava trabalhando com eventos e o setor foi um dos mais impactados pela crise. Com a quarentena, a demanda por eventos caiu pela metade e o salário dela, mais ainda.

Ela acrescenta que o profissional a ajudou a perder o medo exagerado de passar a doença para amigos e familiares e a superar a tristeza por não poder ver os pais, que moram em outra cidade —a relações públicas é de Jundiaí (58 km de SP).

“A terapia me ensinou que tem outras formas de estar presente sem ser fisicamente. No Dia dos Pais, mandei entregar uma torta que o meu pai gosta e nós nos falamos por vídeo”, lembra.

Após as sessões, Indiara conta que aprendeu a controlar melhor a ansiedade e que passou a utilizar melhor o tempo livre para seu bem-estar.

Sessões gratuitas

Com o aumento dos casos de Covid-19 desde o fim do ano passado, psicólogos e psicanalistas voluntários retomaram as sessões gratuitas de escuta para ajudar a aliviar o sofrimento das pessoas durante a pandemia.

O grupo, que não oferece sessão de psicanálise, atendeu 4.460 pessoas no início da pandemia e havia parado a ação quando houve queda dos casos.

Segundo o psicanalista Francisco Nogueira, um dos idealizadores do projeto Experiência de Escuta, o isolamento trouxe muita ansiedade e angústia para as pessoas que tiveram as rotinas alteradas drasticamente.

“Imagine o sujeito dentro de casa há meses olhando para as mesmas paredes e pessoas. Muitas vezes a pessoa falava [na sessão de escuta] que só queria conversar com alguém que não fosse de casa”, explica.

Quem quiser participar das sessões gratuitas deve acessar o site www.experienciaescuta.com.br. Segundo Nogueira, o acolhimento dura 30 minutos, mas algumas pessoas precisam de mais de uma sessão. Ele ressaltou que os voluntários costumam indicar, para quem precisa, locais que oferecem terapia grátis, como a USP (Universidade de São Paulo), a Sociedade Brasileira de Psicanálise e o Instituto Sedes Sapience.

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