A Covid-19 não poupou motoristas e cobradores de ônibus municipais de São Paulo ao longo do último ano de pandemia. Convivendo diariamente com outros trabalhadores que não podem fazer home office, por horas seguidas, em um ambiente pouco ventilado, eles viram o coronavírus como uma ameaça real e muito próxima, que deixou traumas.
A esperança começa a dar sinal a partir desta terça-feira (18), quando começa na capital paulista a vacinação da categoria.
O motorista Ademilson Hermenegildo de Oliveira, 48 anos, funcionário de uma linha na zona leste, chega a levar consigo máscaras extras na bolsa para distribuir gratuitamente a passageiros que, por descuido ou esquecimento, tentam embarcar sem a proteção. O cuidado é proporcional ao risco. “Na parte da manhã, já cheguei a transportar 140 passageiros numa única viagem. Encostados, tossindo, um ao lado do outro”, diz.
Mesmo se preservando, Oliveira, conhecido como Gás, acabou contaminado e passou 12 dias internado, entre março e abril, com batimentos cardíacos a 216 por minuto. “Fiquei muito mal mesmo, quase fui intubado”, diz. Como a reinfecção é realidade, deposita esperanças em Deus e na vacina. “Tinha um ou outro que falava que não iria tomar, por medo de reações. Mas qual reação é pior do que pegar a Covid e morrer? Os números estão comprovando”, diz.
Números atualizados no dia 11 mostram que 182 trabalhadores de empresas do transporte coletivo municipal morreram em decorrência do coronavírus. Segundo o presidente do Sindmotoristas, José Valdevan de Jesus Santos, o Valdevan 90, a prioridade na vacinação era uma luta da categoria.
“Perguntei onde estudaram os especialistas que não enxergaram tamanha aglomeração dentro dos ônibus? É o maior local de transmissão, não tenha dúvida”, afirma.
Fiscais também temem contaminação pelo vírus
Além de motoristas e cobradores, o transporte público municipal conta com fiscais, funcionários de manutenção, entre outros, que, em um primeiro momento, estão excluídos da lista de prioridade para a vacina. Entre eles, porém, o medo de contaminação é grande.
“O pessoal está assustado, mas não tem para onde correr. Se optar por ficar em casa por conta própria, não tem salário. E aí? Mesmo assustadas, as pessoas estão enfrentando o dia a dia”, diz o fiscal de linha Edmir Firmino, 39 anos. No terminal interligado à estação Santa Cruz (linha 1-azul), onde Firmino trabalha, um outro fiscal que tinha praticamente a mesma idade acabou morrendo pela Covid-19.
Fiscais têm contato com mais de 100 motoristas e cobradores todos os dias. “Tenho uma menina pequena em casa, com quatro meses, então tenho medo”, diz Diogo da Silva Carmo, 24, que cuida de um ponto final na região central.
Condutor deixa saudade e família critica abandono
O motorista José Nascimento Júnior, 54 anos, foi uma das primeiras vítimas do coronavírus na capital paulista, em março de 2020. A família sente a saudades e lamenta a falta de cuidado com que foi tratada pela Viação Metrópole Paulista, onde ele trabalhava.
“Assim que ele morreu, a empresa cortou o nosso convênio e a cesta básica. Ele fazia tudo por amor, gostava do trabalho, e ninguém fez nada por ele”, diz a viúva Dilma Passos Machado Nascimento, 52 —ela e o filho também acabaram contaminados. Dilma conta que teve dificuldades para receber o que era devido pela viação e que ajuda só veio por parte dos colegas de trabalho do marido, tanto em mantimentos quanto financeiramente.
“Não foi só um pai, era amigo e irmão, um excelente marido para a minha mãe”, diz o designer Ewerton Nascimento, 30.
Empresa diz cumprir obrigação
Procurada pela reportagem, a Viação Metrópole Paulista afirmou, em nota, que “lamenta profundamente o falecimento do senhor José Nascimento Junior”. Segundo a empresa, que atua principalmente na zona leste de São Paulo, os pagamentos das rescisões contratuais são realizados de acordo com o período do contrato de trabalho e no prazo legal.
A empresa afirmou também que conta com o setor de serviço social, que “fornece suporte a todos os empregados”. Quanto ao convênio médico, a empresa disse que ele é “fornecido a todos os empregados nos termos da norma coletiva”, sem detalhar, entretanto.
A Viação Metrópole Paulista fala que segue rigorosamente a todos os protocolos segurança, saúde e higiene do combate à Covid-19.
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