Dados do Detran.SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) indicam que mais pessoas com 60 anos ou mais estão dirigindo tanto estado quanto na capital.
Segundo levantamento do órgão, em junho de 2015 o número de CNHs (carteiras nacionais de habilitação) ativas no estado de São Paulo era de 2,39 milhões, cifra que passou para 3,47 milhões em junho de 2021, num avanço de 45%. Na capital, a evolução de 33% (742.575 mil para 988.195 no período).
Um dado chama muito a atenção. É o número de novas CNHs para pessoas com 60 anos ou mais. Foram 4.607 de janeiro de 2019 a junho de 2021. Desse total, 3.091 (67%) foram emitidas com EAR (Exerce Atividade Remunerada), o que pode indicar que a pessoa só tirou a CNH para poder trabalhar como motorista.
“Não é possível afirmar que essas solicitações de CNHs por pessoas de 60 anos ou mais tenham relação com a busca de recolocação no mercado de trabalho, mas o número expressivo de pedidos de inclusão de EAR nos documentos indica, sem dúvida, uma tendência nesse sentido”, afirma Neto Mascellani, diretor-presidente do Detran.SP.
Segundo Carlos Eugênio Ferreira, demógrafo da Fundação Seade, o processo de envelhecimento da população é um fenômeno que se observa há mais de duas décadas.
Ele é motivado por dois fatores, segundo o especialista. O primeiro é a queda da fecundidade observada desde 1970, e outro, o avanço da expectativa de vida da população.
“O aumento da proporção de pessoas idosas vem aumentando devido à redução de pessoas jovens. E a população com mais de 60 anos está vivendo mais e isso vem crescendo”, explica.
Dados da Fundação Seade indicam que a idade mediana (fator de cálculo que divide a população em parcelas iguais) passou de 27,9 anos em 2001 para 35,7 anos em 2021. Em 2021, o índice de envelhecimento no estado de São Paulo é de 83 pessoas de 60 anos e mais para cada 100 menores de 15 anos.
“Do ponto de vista demográfico é natural [mais pessoas venham a renovar a CNH]. É de se esperar, assim como é de se esperar que isso se reflita em todas as atividades da sociedade e dimensão da vida humana”, disse.
Apesar de ter CNH há 30 anos, a cabeleireira Tereza Gomes Sinhorini, 64, voltou a dirigir após a morte do marido, em agosto de 2020.
“Eu morava numa avenida muito movimentada e meu marido sempre teve carro grande. E era ruim tanto para sair e entrar na garagem. E como era sempre ele que dirigia, eu nunca tive que me preocupar”, disse.
Tereza afirma que comprará um carro novo. Antes disso, porém, quer fazer mais aulas na autoescola para para se sentir mais segura. “É uma responsabilidade muito grande. Mas Eu não quero ficar dependendo dos filhos. E só quero dirigir dentro da cidade, ir num mercado, casa de parente, amigo, no cemitério fazer visitas”, disse.
Segundo o médico Flávio Emir Adura, diretor científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), as pessoas com mais idade são mais experientes como condutores e, em geral, mais prudentes quando na direção de um veículo.
Segundo diz, tratam-se de pessoas que não dirigem em excesso de velocidade ou alcoolizados e utilizam o cinto de segurança, porém, com frequência e de forma inconsciente, desrespeitam os sinais e regras do trânsito. “Não sinalizam suas manobras, desobedecem a sinais de parada e faróis vermelhos, realizam conversões sem a atenção necessária e retornam em local proibido aumentando a probabilidade de envolvimento em sinistros de trânsito”, afirma.
Mascellani lembra que, segundo especialistas, os avanços da medicina permitem que pessoas dessa faixa etária tenham maior longevidade e qualidade de vida, o que possibilita que se mantenham ativos por mais tempo. “Há também o fato de que hoje muitos idosos precisam trabalhar para ajudar na manutenção de suas famílias”, afirma.
O presidente do Detran.SP afirma que a campanha publicitária com Wandi Doratiotto, em que ele ensinava pessoas a usarem os recursos digitais do órgão, teve como foco justamente as pessoas com mais idade. “Nossa intenção foi mostrar uma face “amigável” dos recursos digitais do Detran.SP aos mais velhos, que em alguns casos têm pouca familiaridade com os recursos tecnológicos. Aproximar essas pessoas do departamento e prestar um serviço inclusivo e de qualidade a essas pessoas que tanto fizeram por nós”, afirmou.
77 anos e não vai parar
Motorista há mais de 40 anos, a maior parte dele dirigindo Fuscas, Antonia Satio da Silva, 77, não pretende parar tão cedo.
“Eu gosto de ir para o mercado, fazer compras, ir na feira. Não paro e nem vou parar”, diz Tonha, como é conhecida por amigos e familiares na zona leste da capital, onde mora.
Ela conta que está nervosa. O motivo? Sua CNH venceu há dois anos e ela não conseguiu renovar pelos canais digitais já que suas impressões digitais já “estão gastas” pela idade, segundo diz. “Mesmo assim dou umas escapadinhas de carro e minhas filhas ficam bravas comigo”, diz, rindo.
Outro motivo que adiou a renovação da CNH está no sorriso. Ela aguarda a colocação da nova prótese dentária para poder ir presencialmente ao Detran regularizar a CNH e assim continuar dirigindo seu Corsa manual, que lhe acompanha há mais de 20 anos. “O volante é duro, mas estou muito feliz com ele”, afirma.
Nem todo mundo gosta de dirigir como Tonha. É o caso de Rosemary Sant’anna, 61. “Eu não gosto de dirigir devido ao trânsito. É muito congestionamento. Eu uso por necessidade.”Segundo diz, ela tirou sua primeira habilitação há 30 anos, a conselho da mãe. “Ela dizia que eu ia precisar devido aos filhos. E ela estava certa”, diz.
Quando parar?
O CTB (Código de Trânsito Brasileiro) não estabelece limite de idade para que as pessoas parem de dirigir. Porém, algumas condições de saúde podem trazer limitações físicas e mentais aos motoristas os predispondo a mais acidentes.
“Quando o problema é exclusivo da esfera física (deficiências de movimento, visuais ou auditivas), é mais provável que o idoso se conscientize de que não pode dirigir como antes e tome por conta própria a decisão de parar”, afirma o médico Flávio Emir Adura, diretor científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).
Adura explica que essa conscientização é mais difícil quando os problemas envolvem a cognição, com perda de atenção, concentração e avaliação, como acontece no mal de Alzheimer e outras demências. “Em casos como esses, o idoso não tem consciência da dimensão da perda de habilidades essenciais à condução de veículos”, afirma.
Segundo o especialista, outros alertas podem indicar que jé é hora de parar de dirigir, tais como perdas visuais e auditivas irreversíveis, movimentos mais lentos e menos seguros, diminuição da atenção, lentificação das respostas, menor capacidade de aprendizado e dificuldade de integração das informações.
“Muitas vezes as dificuldades citadas motivam motoristas idosos a modificarem seus hábitos de dirigir, embora haja evidências de que esse grupo de motoristas tenha pouca noção de seus problemas, muitas vezes insidiosos, e geralmente concomitantes às perdas cognitivas e a responsabilidade da percepção dessas modificações relacionadas com a idade não deve ser atribuída somente ao idoso”, afirma.
É neste momento, segundo Adura, que um familiar deve estar atento para essas alterações para tomar as providências para o afastamento do idoso da direção veicular.
“A sociedade de hoje se move sobre rodas e a independência de muitos idosos depende da sua habilidade para dirigir veículos automotores. A inaptidão para dirigir representa para o idoso mais uma da sucessão de perdas características do envelhecimento, talvez a mais dolorosa, porque limita sua mobilidade e consequente liberdade de locomoção e integração social”, diz.
Oportunidade
Para Magnelson Carlos de Souza, 59, presidente da Sindautoescola.SP, a presença de pessoas com mais idade no trânsito pode reverter em oportunidades para o setor.
“Com o envelhecimento da população, é natural que tenhamos cada vez mais pessoas com mais idade dirigindo”, afirmou.
Entre essas oportunidades ele cita a criação de novos serviços, tais como aulas específicas para carros automáticos e aulas para quem está há muito tempo sem dirigir e resolveu voltar.
“Hoje a legislação não permite que você prepare, na formação, o aluno com um veículo automático. E sabemos que pessoas com mais idade preferem justamente os carros automáticos”, afirmou.
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