A regulamentação da reforma da Previdência por meio do decreto 10.410, publicado em julho deste ano, deve levar uma enxurrada de ações ao Judiciário.
A maioria dos pedidos será de revisão de benefícios, após a renda previdenciária ser concedida em valor menor do que o esperado.
A avaliação dos especialistas é de que as regras prejudiciais devem ser responsáveis por novas teses de direito previdenciário na Justiça.
Há ao menos quatro revisões que estão sendo estudadas por advogados: direito de descartar as menores contribuições na concessão de benefícios não programáveis, como a pensão por morte, por exemplo; melhor cálculo do auxílio-doença; atrasados maiores em caso de apresentação de novos documentos ao INSS; e respeito à regra de cálculo estabelecida em lei na aposentadoria do deficiente.
Segundo Roberto de Carvalho Santos, do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), as revisões de benefícios virão de pontos em que se considera que o decreto extrapolou sua função, que é de regulamentar, e não de modificar a lei.
Para ele, foi um erro regulamentar a emenda constitucional 103, que mudou as regras previdenciárias a partir de 13 de novembro de 2019, por meio de decreto. “Teríamos que ter leis e, em seguida, decretos regulamentando as leis”, afirma.
Os pedidos de revisão devem seguir o prazo estabelecido na legislação, que determina limite de dez anos para fazer a solicitação de correção do erro, seja no INSS ou na Justiça.
Depois, o segundo passo a ser seguido, que foi regulamentado por julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal), é pedir a revisão, inicialmente, no INSS.
O Supremo também determinou que, nos casos em que o instituto não reconhece o direito, pode-se ir direto ao Judiciário, mas a dica é fazer o pedido administrativo primeiro.
As teses de que todos os segurados têm direito ao descarte dos menores salários para melhorar o valor do benefício e a de que deve-se respeitar o cálculo estabelecido por lei na aposentadoria do deficiente devem estar entre as revisões mais pedidas, avalia Santos.
O especialista explica que a emenda constitucional 103 garantiu aos segurados o direito de descartar as menores contribuições se isso for melhorar a média salarial. A regra diz, no entanto, que o descarte pode ocorrer, desde que o segurado tenha tempo suficiente de contribuição.
No entanto, no decreto, o INSS definiu que benefícios não programáveis, como pensão por morte, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, não têm direito ao descarte, o que pode diminuir o valor da renda previdenciária.
Para a advogada Fiorella Ignacio Bartalo, especialista em direito previdenciário e diretora financeira da Abrap (Associação Brasileira da Advocacia Previdenciária), as novas regras devem ser contestadas por meio de Adins (Ações Direta de Inconstitucionalidade) e por processo individuais também.
"Nos casos individuais, ela só vai ser revertida e poderá ser modificada se a gente tiver os casos concretos", diz a especialista.
Ação para ganhar mais | Novos questionamentos judiciais
- O decreto 10.410, publicado em julho de 2020 para regulamentar a reforma da Previdência, pode gerar novas ações de revisão dos benefícios na Justiça
- Os segurados que derrotam o INSS após um pedido de correção conseguem um benefício maior e ainda têm direito aos atrasados previdenciários
Como funcionam as revisões
- Erros cometidos pelo INSS podem reduzir a renda do aposentado ou pensionista
- O prazo para pedir a correção é de até dez anos após o recebimento do primeiro benefício
- O segurado tem direito de receber os atrasados dos últimos cinco anos anteriores à solicitação
OS PRINCIPAIS PEDIDOS QUE PODEM IR AO JUDICIÁRIO
1 - Direito de descartar os menores salários na pensão e em outros benefícios
- A emenda constitucional 103, que instituiu a reforma da Previdência, determinou que os segurados podem descartar os menores pagamentos se isso for mais vantajoso
- O texto da emenda não estipula quais benefícios podem ter direito ao cálculo melhor, mas o decreto 10.410 determina que a regra NÃO vale para benefícios não programáveis
São benefícios não programáveis:
- Pensão por morte
- Aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria invalidez)
- Auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença)
O motivo
- Diferentemente da aposentadoria, que pode ser programada pelo segurado ou pelo próprio INSS, pensão por morte, aposentadoria por invalidez e auxílio-doença são liberados apenas quando há um fato gerador
- Neste caso, o INSS decidiu que estes benefícios não podem contar com a vantagem de descartar os menores pagamentos
- Com isso, os trabalhadores que têm direito a eles podem ganhar menos
Como funciona o descarte
- O cálculo do INSS deve levar em conta todos os salários desde julho de 1994
- No entanto, o segurado pode descartar os 20% menores, se isso melhorar a média salarial e não afetar o tempo mínimo de contribuição
- Esses salários descartados não podem ser usados para mais nada
Quando pedir a revisão
- Após a concessão do INSS, é possível consultar a memória de cálculo para saber se houve descarte ou não dos salários
- Com este documento em mãos, é possível simular se a renda seria maior ou menor com o descarte
O que especialistas entendem
- Que o INSS não pode impedir o descarte dos menores salários por meio de um decreto
- O fato é que a reforma da Previdência não limitou o direito, então, em tese, a regra de descartar salários vale para todos os benefícios
2 - Melhor cálculo para o auxílio-doença
- Antes da reforma da Previdência, os benefícios tinham um cálculo diferente
- Eles levavam em consideração os 80% maiores salários, descartando os 20% menores, para que se chegasse à média salarial
- No caso do auxílio-doença, há ainda um outro limitador; o INSS calcula a média dos últimos 12 salários
- Se essa média for menor, paga-se este valor
- Se a média dos últimos 12 salários for maior, usava-se a média dos 80%, pagando 91% sobre ela
Com a reforma da Previdência
- Passou a valer a regra de que todos os benefícios devem considerar 100% dos salários desde julho de 1994
- Com isso, para os especialistas, a média dos últimos 12 salários caiu e não poderia ser mais usada
Nova norma do decreto
- No entanto, o decreto 10.410 determinou que, no caso do auxílio-doença, vale apenas parte da nova regra
- Ou seja, calcula-se a média usando todos os salários, mas, se ela for maior do que a média dos últimos 12 pagamentos, o segurado receberá o menor valor
O que dizem os especialistas
- Se a reforma da Previdência quisesse manter o limitador dos últimos 12 meses, isso estaria claro no texto da emenda constitucional 103
- A regra utilizada, neste caso, é chamada de “revogação tácita”
- Embora não esteja escrito expressamente na emenda constitucional que a norma dos últimos 12 salários caiu, entende-se que ela deixa de valer quando há mudança no cálculo
Correção nem sempre será vantajosa
- Para saber se tem direito, o documento a ser analisado é a carta de concessão
- No caso da limitação dos últimos 12 salários, nem sempre é uma situação desvantajosa
- Neste caso, será necessária ajuda de um especialista em cálculos
- Se o segurado foi prejudicado, pode pedir a revisão
3 - Pedido de atrasados maiores em caso de apresentação de novo documento ao INSS
- O decreto 10.410 determinou que a apresentação de um novo documento pode mudar o valor dos atrasados aos quais o segurado tem direito enquanto espera
- A nova regra afirma que os efeitos financeiros passam a contar a partir do momento da apresentação dos novos documentos, chamados de novos elementos
Prejuízo
- Com isso, ao apresentar um documento que não havia enviado ao INSS, o segurado recebe atrasados menores
O que alegar na Justiça
- O segurado e seu advogado devem argumentar que a documentação não foi apresentada antes porque houve impossibilidade
- Dentre os motivos para não ter o documento em mãos na hora do pedido inicial estão:
- Não fornecimento da papelada por parte do patrão
- Demora para conseguira CTC (Certidão de Tempo de Contribuição) no setor público
- Patrão que não forneceu o PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) ou entregou-o com erro
- Ação trabalhista que ainda não foi concluída na Justiça
Direito
- A ideia é tentar provar que o direito existe porque a atividade que se quer provar foi exercida no tempo correto, independentemente de o segurado ter em mãos o documento que serve como prova ou reforça a situação
4 - Aposentadoria do deficiente
- Uma das poucas regras que não mudou com a reforma da Previdência foi a da aposentadoria do deficiente
- Segundo a emenda constitucional 103, ela deve ser calculada da mesma forma como era antes da mudança
- No entanto, o decreto diz que o benefício do deficiente também vai ter o cálculo pela média de 100% dos salários desde julho de 1994, o que, para os especialistas, contraria a própria reforma
Pedido deve ser imediato
- Especialistas entendem que, neste caso, assim que o deficiente tiver a concessão do benefício utilizando o novo cálculo, deve ir direto para a Justiça
- Isso porque o decreto não pode se sobrepor à emenda constitucional
- Para mudar o que diz a reforma, neste caso específico, é preciso votação de leis por deputados e senadores
Fontes: decreto 10.410, emenda constitucional 103 e advogado Roberto de Carvalho Santos, do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários)
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