Novos entregadores lotam as ruas e ralam para ganhar pouco

Com mais concorrência, profissionais veem rendimento ficar menor

São Paulo

Todo dia quando sai de casa, o estudante Julio Cezar Reis precisa carregar a sua bicicleta, de 15 kg, escadaria acima. São 80 degraus que separam a sua vila da rua, no Imirim (zona norte). Quando chega na metade, não raro ele tem que parar para descansar.

A rotina se repete há cerca de um mês, quando o jovem, de 18 anos, começou a trabalhar como entregador para os aplicativos Uber Eats, Rappi e iFood. 

Vencido o primeiro obstáculo, são mais 12 km pedalando até a avenida Paulista, onde há maior demanda pelo serviço.

A situação se assemelha com a de muitos jovens, que diante do desemprego e dificuldade de inserção no mercado de trabalho, recorreram aos aplicativos de entrega para conseguir 
algum sustento.

Com a perspectiva de renda proporcional ao tempo de trabalho e possibilidade de definir os próprios horários, milhares de ciclistas e motoboys entraram para estes serviços, que hoje tomam as ruas de São Paulo.

“Foi o que eu encontrei. Como não tenho nenhum curso, fica difícil conseguir emprego fixo”, afirma Julio Cezar, que pretende guardar o dinheiro das entregas para investir em sua formação. “Primeiro quero algo que me ajude a arrumar trabalho. Depois, quem sabe até uma faculdade”, disse.

A economia, no entanto, tem sido difícil. Só para consertar a sua bicicleta, foram R$ 220. Para pagar a bolsa térmica, exigida pelos aplicativos, teve ainda que desembolsar R$ 50, que foram abatidos de seus primeiros pagamentos. Ganhando em média R$ 15 por dia trabalhado meio período (nos fins de semana, como pedala mais, chega a ganhar R$ 60 por dia), Julio encerra o seu primeiro mês com conta para pagar.

Com a popularização dos aplicativos, ao mesmo passo que mais entregadores entraram para o serviço, as empresas diminuíram pagamentos. “No primeiro mês eu tirei uns R$ 1.900. Hoje, se quiser ganhar isso, tenho que trabalhar em dobro”, disse o entregador Charles William, 25, que mora em Embu das Artes (Grande SP) e trabalha em Pinheiros (zona oeste). Há sete meses ele pedala diariamente 30 km das 11h às 16h, com renda média de R$ 1.300 para sustentar mulher e filha de 3 anos.

Grana

Via de regra, quanto mais adversa a situação, maior é a recompensa oferecida aos entregadores de aplicativo. “Num dia como esse, que está chovendo, o preço das corridas aumenta. Se a pessoa sabe aproveitar, consegue tirar uma boa grana”, disse Fernando da Silva, 28 anos, que faturou R$ 120 com as entregas de bicicleta no último dia 4, quando choveu na capital.

Faça chuva, faça sol, o morador de Pirituba (zona norte) trabalha 12 horas por dia, de segunda a segunda. “É ruim porque se você não pode trabalhar, também não recebe, mas é o que está salvando”, disse.

Numa cidade pouco adaptada a ciclistas, o cuidado tem que ser redobrado. “Muita gente não respeita a ciclofaixa, pedestres e motoristas”, disse Silva. Como a maioria, ele não usa capacete, e o equipamento nem sequer é exigido —ou oferecido— pelas empresas.

Em casos de perrengue, são os próprios colegas de trabalho que oferecem suporte. “A gente sabe a dificuldade que é trabalhar na rua”, disse Charles William, que já furou o pneu da bicicleta três vezes.

Justiça

O Ministério Público do Trabalho tem duas ações civis públicas por entender que há provas da relação de emprego no caso dos aplicativos com os entregadores.

Na última semana, o entregador Thiago de Jesus Dias, 33, morreu após sofrer um AVC durante o trabalho pelo aplicativo Rappi, após uma série de falhas e omissões no socorro a ele.

Para o promotor Rodrigo Carelli, essas empresas atuam na ilegalidade e promovem desequilíbrio no mercado. “Houve concorrência desleal com empresas que cumprem normas institucionais, algo diretamente ligado à falta de pagamento de encargos trabalhistas.”

As empresas por trás dos aplicativos não se colocam como empregadoras, mas como intermediárias entre quem solicita o serviço e trabalhadores autônomos.

Entretanto, para o presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Jorge Pinheiro Castelo, a subordinação entre os entregadores e as empresas caracteriza uma relação de emprego, sobretudo dentro dos moldes de trabalho intermitente. 

“Deve ser conferido ao trabalhador o direito a férias, 13º salário, fundo de garantia e eventualmente até horas extras, ainda que isso não seja cumprido pelas empresas”, afirmou. 

De acordo com o Sindimoto-SP —sindicato dos motoboys—, cerca de 60% das empresas de motofretes da capital fecharam as portas nos últimos anos.

Enquanto a renda média do entregador de bicicleta não passa dos R$ 2.000, motoboys que trabalham para aplicativos, porém, conseguem receber até R$ 4.500.

Resposta

Questionadas, as três empresas mencionadas na reportagem disseram em nota que os entregadores são parceiros autônomos, que têm liberdade para trabalhar nas plataformas quando quiserem, sem horário fixo ou exclusividade.

“Os entregadores parceiros escolhem como e quando utilizarão o aplicativo como geração de renda”, disse a assessoria de imprensa da Uber Eats.

O iFood afirmou que desde novembro do ano passado oferece pontos de descanso e apoio aos entregadores. Além disso, a empresa disse que realiza desde maio ações educativas que incentivam boas práticas no trânsito com seus parceiros.

O Rappi, por sua vez, afirmou que acredita ter papel importante na economia ao gerar renda aos profissionais de entrega.

Nenhuma das três empresas atende à lei federal de 2009 que regulamenta a profissão de motoboy e exige uma série de adaptações no veículo, idade mínima de 21 anos entre outras exigências para a prática profissional.

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