Os olhos grudados na tela do celular para avisar o patrão sobre um provável atraso ou para acionar um carro por aplicativo era o que mais se via no início da manhã desta terça-feira (24) em frente à estação Guaianases (zona leste de São Paulo), da linha 11-coral, por causa da greve dos ferroviários que atinge três linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Por volta das 6h, Guaianases tinha embarque normal no sentido Luz, mas muita aglomeração e filas para quem tentava ir no sentido estação Estudantes, em Mogi das Cruzes (Grande São Paulo). A linha operava parcialmente entre Guaianases e Luz, mas estava paralisada no sentido Mogi.
Além da linha 11-coral, a greve atinge as linhas 12-safira e 13-jade, que estavam totalmente paradas no início da manhã desta terça, segundo a CPTM. Os ferroviários reivindicam reposição salarial referente à data-base de 1º de março dos exercícios 2020/2021 e 2021/2022.
A assistente técnica Pamela de Souza Soares, 27 anos, dise que foi pega de surpresa. Moradora em Cidade Tiradentes (zona leste), ela saiu de casa por volta das 5h e tentava chegar ao restaurante onde trabalha em Suzano (Grande SP).
"Estou encontrando colegas de trabalho e vamos pedir um Uber", afirmou. Por volta das 6h20 ela já havia encontrado outras duas pessoas que trabalham no mesmo local e toparam rachar a corrida. Sobre a greve, ele afirmou que havia ouvido comentários, mas não sabia em qual sentido o transporte estaria suspenso.
Se havia pessoas desesperadas para conseguir chegar ao trabalho, outras tentavam voltar para casa. Era o caso do auxiliar de limpeza técnica Samuel Lucas da Silva, 22 anos. Ele, que trabalha na estação Faria Lima da linha 4-amarela do metrô, na zona oeste da capital paulista, contou ter saído do local por volta das 4h e, às 7h, ainda aguardava na longa fila do Paese (ônibus contratados pela CPTM para quem não conseguiu pegar o trem) para chegar a Suzano, onde mora.
Em uma primeira tentativa de embarque nem ele nem seus três amigos conseguiram ingressar no coletivo por causa da superlotação. E o medo da covid-19 também o fez desistir de tentar um espaço no ônibus disponibilizado pela EMTU (Empresa Municipal de Transportes Urbanos). "Tinha muita gente naquele ônibus", afirmou.
Indagada, a motorista do ônibus disse que aquela era sua primeira viagem no sentido bairro, mas que, ao fazer o percurso no sentido Guaianases, já tinha vindo com o coletivo abarrotado. Segundo a condutora, seis ônibus faziam o percurso de cerca de 50 quilômetros.
Assim que o veículo lotado deixou o local, Silva foi avisado que deveria ir para o outro lado da estação, ponto em que ônibus para Suzano estavam saindo. Lá, a fila era enorme, com mais de 300 pessoas. "Aqui vai longe ainda", disse o encarregado de limpeza Josevaldo Oliveira de Souza, 35 anos, um dos amigos de Silva. "Em dia normal, às dez para seis já estaria em casa", contou.
A SPTrans, empresa que gerencia o transporte municipal na cidade de São Paulo, disse que, a pedito da CPTM, ativou o Paese entre as estações Jardim Romano e Tatuapé, na zona leste. Doze ônibus fazem o percurso.
Mais filas
Já o panorama na estação São Miguel Paulista, também na zona leste, da linha 12-safira, era bem diferente. Mesmo com a linha totalmente parada, não havia aglomeração de pessoas ou filas para ingressar em ônibus. No entanto, as poucas pessoas que pretendiam seguir em um dos coletivos do Paese até o Tatuapé tinham que enfrentar superlotação. Com um intervalo de 20 minutos, todos já chegavam do Jardim Romano com muitos passageiros em pé.
Por volta das 9h20 um dos motoristas que passou pelo ponto em frente à praça Padre Aleixo Monteiro Mafra fez um sinal com a mão usado para mostrar que o veículo estava lotado. Mesmo assim ele parou e duas pessoas entraram.
Entre aqueles que pretendiam seguir até o ponto final estava a vendedora Thais Gomes, 26, que trabalha em um shopping no bairro. "Cheguei por volta das 8h, mas os ônibus estavam muito cheios e não consegui entrar. Voltei para casa porque achei que [o trem] pudesse voltar, mas não voltou". A jovem entrou em um ônibus lotado por volta das 9h50. Pouco antes de enfrentar a aglomeração no transporte, ela afirmou que não tinha escolha. "Não tenho o que fazer, entro às 10h no serviço".
Enquanto dez pessoas aguardavam um ônibus no sentido Tatuapé, o auxiliar de vendas José Gean da Silva Santos, 33, era a única pessoa em frente à estação Itaim Paulista, também na zona leste, que estava fechada. Ele tentava embarcar em um ônibus para o sentido oposto, até a estação Jardim Romano. Sua intenção era chegar ao trabalho, em Mogi das Cruzes, ao meio-dia. Restando menos de meia hora para bater o ponto e inquieto com medo de se atrasar, ele disse que estava enfrentando uma verdadeira saga.
"Saí de casa, no Jardim Camargo Velho, peguei um ônibus até o Itaim Paulista. Do Itaim vou até Jardim Romano e, de lá, até Calmon Viana, para seguir até até Mogi", afirmou ele, que saiu de casa antes das 10h, mas pegou um trânsito incomum para o horário.
Além do transtorno, uma vez que afirmou que em dias normais leva cerca de 50 minutos de casa até o trabalho, ele se queixou da falta de informações sobre o itinerário dos ônibus que vão atender toda a extensão da linha-12 até Calmon Viana, em Poá. "O patrão muitas vezes não entende o transtorno. Para não perder o trabalho temos que superar isso aí."
A prefeitura suspendeu o rodízio de veículos na capital nesta terça por causa da greve dos ferroviários.
Reivindicação
A paralisação foi decidida em assembleia realizada nesta segunda-feira (23) e aproximadamente 2.500 funcionários devem cruzar os braços, segundo o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil. Cerca de 750 mil usuários podem ser afetados.
A determinação da Justiça do Trabalho é que os funcionários mantenham 70% do efetivo nos horários de pico --das 5h às 9h e das 17h às 20h-- e 50% nos demais horários.
Segundo Alexandre Mucio, secretário-geral da entidade, um dos principais motivos para greve é o fato de a empresa ter proposto o pagamento dos valores retroativos em dez parcelas a partir de fevereiro de 2022.
O sindicato apresentou a contraproposta de acertar os retroativos em agosto e setembro, respectivamente, porém, não foi aceita. A negociação foi mediada pelo TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região) de São Paulo na tarde desta segunda-feira (23).
O reajuste salarial é de 4% para o exercício de 2020/2021 e de 6% para 2021/2022. “É pouco para a empresa, mas para o trabalhador, faz toda a diferença”, avalia o sindicalista.
Resposta
Procurada, a Secretaria de Transportes Metropolitanos não disse se apresentará nova proposta na tentativa de encerrar a greve.
A CPTM disse em nota que, mesmo com a greve dos ferroviários, há operação parcial com circulação de trens desde às 4h na linha 11-coral, no trecho entre as estações Guaianases a Luz. "O trecho entre estações Estudantes a Guaianases está paralisado", afirmou a empresa.
"Nas linhas 12-safira e 13-jade a adesão à greve foi total, contrariando decisão da Justiça do Trabalho, que a manutenção de 70% dos trabalhadores no horário de pico e 50% nos demais horários, sob pena de multa de R$ 100 mil diários", afirmou a companhia.
Em suas redes sociais, a empresa disse que "considera inadmissível que o sindicato que representa os colaboradores das linhas 11-coral, 12-safira e 13-jade, com toda a população adulta vacinada, com uma crise econômica avassaladora em todo o mundo, decidam fazer greve nesta terça-feira".
Também em rede social, a empresa disse que apresentou proposta de reajuste de 6% retroativo a março de 2021 pagos a partir de janeiro de 2022. "Em relação ao dissidio coletivo de 2020, foi proposto reajuste de 4% a partir de agosto de 2021, retroativo a março de 2020. Além do pagamento do PPR em duas parcelas [a primeira já paga em 10/8 e a outra metade no dia 10 de janeiro de 2022]", afirmou.
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