Moradores de rua de SP divergem sobre ir ou não para abrigos no frio

Com previsão de temperaturas abaixo de 0ºC. prefeitura ampliou vagas em albergues e instalou cinco tendas na capital paulista

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São Paulo

Com os termômetros já marcando 10°C na praça da Sé, no centro da capital paulista, centenas de pessoas em situação de rua foram a uma das cinco tendas montadas pela Prefeitura de São Paulo, por volta das 15h desta quarta-feira (28), para receber cobertores, cartões do Bom Prato e também para serem encaminhadas a abrigos, como medida emergencial, para não ficarem expostas às baixas temperaturas da madrugada, que podem ficar negativas na cidade até sexta-feira (30) —está prevista a chegada da maior onda de frio dos últimos 27 anos.

Os moradores de rua, porém, divergem entre ir para os abrigos e optar por ficar ao relento ou em barracas de camping que se espalham pela região central.

Além da tenda na Sé, a prefeitura armou outras na praça Princesa Isabel, também na região central; na praça Barão de Tietê, na Mooca (zona leste); na praça Salim Farah Maluf, em Santo Amaro (zona sul); e na praça Miguel Dell’erba, na Lapa (zona oeste).

Moradores de rua esperam na região da praça da Sé (centro), ônibus que partirá para abrigo em centro esportivo na Lapa (zona oeste) por causa do frio intenso na cidade de São Paulo - Ronny Santos/Folhapress

A previsão da prefeitura é fornecer 5.000 pratos de sopa por noite nessas tendas, além da distribuição de 3.200 toneladas de agasalhos e cobertores, em parceria com a Cruz Vermelha, além de kits de higiene.

Outra ação foi a de criar 817 novas vagas em centros de acolhida, fazendo com que o número atual de 340 seja reforçado em quase duas vezes e meia e chegue a 1.157. A estação Pedro 2º, do metrô, também servirá de abrigo para moradores de rua.

Para as pessoas que optaram em ir para abrigos emergenciais, dois ônibus e a mesma quantidade de vans foram disponibilizados para fazer três viagens, das quais metade levou o público masculino para a região da Lapa e a outra, com mulheres, famílias, e pessoas trans, para a zona norte, no fim da tarde e no começo da noite desta quarta.

Somente com a roupa do corpo, Rogério dos Santos Benedito, 49 anos, aguardava ansioso para embarcar no terceiro ônibus, com a partida prevista para as 18h, conforme cronograma da Secretaria Municipal de Assistência Social, com destino à Lapa.

Usando há cerca de uma semana as mesmas duas blusas de frio, uma calça de moletom e um par de botas, Benedito afirmou ter pensado que iria morrer na madrugada na última onda de frio.

"Já fiquei sabendo que amanhã [quinta-feira, 29] vai ficar frio igual na outra semana, quando pensei que ia morrer de tanto frio. Só de saber que poderei dormir em um lugar coberto [abrigo municipal] fico mais aliviado”, afirmou.

Em situação de rua há cerca de quarto anos, por causa de problemas familiares, Benedito afirmou não consumir bebidas alcoólicas nem usar drogas, encarando o frio “de cara limpa”, sob pontes e marquises.

A poucos metros da praça da Sé, no Pateo do Collegio, um ônibus se preparava para partir com mulheres, pessoas trans e famílias para um abrigo na zona norte.

Ao lado do veículo estavam as amigas Karina e Sasha, 35 e 25 anos respectivamente.

Ambas, mulheres trans, optaram em não ir para o abrigo, mas estavam no local para dar um “até logo” para amigas e amigos que preferiram se abrigar do frio com a ajuda governamental entre esta quarta e a quinta-feira.

“Resolvemos não ir pois temos muitas roupas e objetos para levar e isso daria muito trabalho, ainda mais que nestes abrigos de pernoite precisamos sair muito cedo, entre 5h e 6h”, afirmou Karina.

Este é o mesmo argumento usado por Jean Carlos Feitosa, 36 anos, que mora há cerca de uma semana em uma barraca de camping, junto com a companheira Vera Raquel Cavalcante, 43, ainda no Pateo do Collegio.

“Com a barraca dá para encarar melhor a friaca, abraçado com minha mulher e vários cobertores. Mas não pensem que nossa vida é fácil por isso. Eu queria um teto, banheiro, banho quente todo dia, como todo mundo, mas a vida me trouxe para a rua [onde vive há 4 anos]”, afirmou, admitindo que problemas com álcool e drogas, além de não contar com endereço fixo, dificultam para que consiga um emprego fixo.

“Aí ganho meus trocos pegando reciclável ou mangueando [ pedindo esmolas].”

Sua companheira, que está em situação de rua há cerca de um mês, veio de Belo Horizonte (MG) com uma promessa de trabalho que não se concretizou. “Além disso, fui roubada e levaram tudo o que eu tinha. Nunca imaginei que iria morar na rua, mas essa experiência está me mostrando um lado da vida em que as pessoas, apesar de todas as dificuldades de não terem um teto, se ajudam.”

Ela pretende voltar para Minas Gerais assim que receber uma parcela de R$ 150 do auxílio emergencial do governo federal.

Abrigo na Lapa

Com o termômetro portátil usado pela reportagem marcando ainda 10°C, por volta das 18h20 já havia cerca de 100 pessoas em um abrigo emergencial da região da Lapa.

No local, algumas pessoas em situação de rua assistiam televisão enquanto outras já estavam deitadas em uma das 240 camas, incluindo beliches, instaladas na quadra de esportes do Clube Edson Arantes do Nascimento, popularmente conhecido como “Pelezão.”

Desde segunda-feira (26) um vendedor de 39, passa as noites no local. Após se separar da mulher, com quem morava na zona leste, suas economias acabaram no sábado (24), quando circulou em ônibus, durante a noite e madrugada, para não ficar exposto na rua.

“No domingo [25], quando fui para a rua, algumas pessoas me ajudaram, indicando onde tinha distribuição de comida e também me falaram doa abrigos da prefeitura, por isso estou aqui”, afirmou.

Ele acrescentou que nenhum conhecido, inclusive no trabalho, sabe de sua situação, pois ele teme perder o emprego, por estar sem residência fixa, além “de se sentir envergonhado.”

“No próximo quinto dia útil vai cair meu pagamento. Até lá pretendo arrumar um lugar fixo para ficar e vou usando os abrigos para garantir uma noite de sono decente e comida.”

Seu vizinho de beliche, o “faz tudo” Josinaldo Rodrigues de Souza, 51, também optou em dormir na estrutura do clube, após ser alertado por conhecidos de que “o frio ia ser de lascar.”

“Estou na rua há seis anos, por falta de oportunidades. Faço de tudo, qualquer coisa em obras, tá ligado? Mas desde que cheguei em São Paulo, só consigo ganhar meus trocos catando recicláveis.”

Natural da Paraíba, ele acrescentou que pretender voltar a dormir nas ruas, quando a frente fria arrefecer.

Além dos três ônibus que partiram da Sé, outros dois saíram da praça Miguel Dell’Erba, transportando 18 e 12 pessoas, respectivamente.

Frio

A queda nas temperaturas é resultado da aproximação de uma massa de ar frio, que deve derrubar de vez as temperaturas, trazendo geadas em vários pontos da cidade de São Paulo na madrugada desta quinta-feira (29). Neste dia, a capital deve registrar temperatura mínima de 3º C, e a máxima não deve passar de 12º C, segundo o Inmet.

Pontos do extremo da zona sul da capital, tais como Parelheiros, Capela do Socorro e Marsilac podem registrar temperaturas negativas na quinta, tais como as registradas no dia 20 deste mês, quando os termômetros do CGE registraram -2,3º C em Marsilac. E tudo indica que o recorde de temperatura, de 5,4º C, pode ser superado na quinta (29) ou sexta (30), segundo o Inmet.

Apesar de estar sujeita a revisão, a previsão para a sexta-feira (30) é de mínima de 2º C. Se isso se confirmar, a cidade de São Paulo pode superar a temperatura mais fria dos últimos anos, aferida em 2016, quando foram registrados 3,5ºC no mirante de Santana, ou ainda dos últimos 27 anos, já que em 10 de julho de 1994 a cidade de São Paulo registrou 0,8ºC.

"As próximas madrugadas serão de frio intenso, com a média da temperatura mínima abaixo dos 5°C e consequentemente novos recordes. Além disso, a mínima nos bairros mais afastados do centro expandido, longe das áreas mais urbanizadas, poderá alcançar valores absolutos próximos ou abaixo de zero. Haverá formação de geadas com sensação de frio pelos ventos", afirmou Thomaz Garcia, meteorologista do CGE.

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